Fatores que influenciam a adoção da energia eólica: uma análise comparativa entre o cenário global e o brasileiro

Sarah de Almeida Lima*

A energia eólica é uma forma de geração de energia renovável que aproveita a força dos ventos para produzir eletricidade. Esse processo ocorre por meio de aerogeradores, popularmente conhecidos como turbinas eólicas, cujas pás giram com o movimento do ar, acionando um gerador que converte a energia mecânica em energia elétrica. Considerada uma fonte de energia limpa, sua operação não emite gases de efeito estufa, tornando-se uma ferramenta fundamental no combate às mudanças climáticas e na diversificação da matriz energética global. 

Nesse viés, este artigo visa analisar os fatores que influenciam a adoção da energia eólica, uma fonte de energia que se consolidou como um pilar estratégico e de crescimento acelerado na matriz energética sustentável global. O artigo aborda essa complexidade por meio de uma análise comparativa entre o cenário global e o contexto brasileiro, explorando dimensões técnicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais.

Fatores Técnicos

Existe uma “corrida” global por plataformas de turbinas eólicas cada vez maiores. Essa tendência tem impulsionado uma maior eficiência na geração de energia. As turbinas eólicas podem ser classificadas principalmente em dois tipos, dependendo de onde são instaladas: onshore e offshore.

As onshore são as turbinas mais comuns e são instaladas em terra firme e, historicamente, atingiram um recorde anual em 2024, com 109 GW de nova capacidade conectada à rede globalmente, superando a marca de 1.000 GW de capacidade cumulativa pela primeira vez. A China representou 70% do total de instalações onshore do mundo em 2024 (vide Figura 1). Desde 2021, o crescimento da participação da energia eólica na China tem sido impulsionado por um mecanismo chamado “paridade de rede”, isso significa que a eletricidade gerada por fontes eólicas onshore passou a ser remunerada com a mesma tarifa da energia a carvão.¹

Figura 1 - Nova capacidade de instalações eólicas onshore 2024 segundo o mecanismo de apoio ao mercado (%). 1

No que se refere à energia eólica onshore, o Brasil já consolidou 1.026 parques em operação que somam quase 30 GW de potência, concentrados principalmente na região Nordeste. As perspectivas futuras mostram um potencial de expansão de mais 68,7 GW, provenientes de 1.635 novos parques em diversas fases de desenvolvimento. Isso significa que o setor está posicionado para mais do que dobrar sua capacidade instalada, confirmando a energia eólica como um pilar estratégico e de crescimento acelerado na matriz energética nacional. ²

Figura 2 - Total de instalações offshore (%), panorama global. ¹

A energia eólica offshore, caracterizada pela instalação de aerogeradores em ambiente marinho, representa uma fronteira crucial na transição energética global. Seus aerogeradores são, de fato, maiores e possuem proteções robustas contra a corrosão salina e a umidade. O avanço do setor é impulsionado pelo desenvolvimento de turbinas de alta capacidade (classe multi-megawatts), pois a escala dos equipamentos eleva a eficiência da geração e permite explorar os ventos mais fortes e constantes do ambiente marinho. ¹

Em 2024, o mercado global demonstrou sua contínua expansão com a adição de 8,8 GW de nova capacidade offshore conectada à rede, elevando o total acumulado para 83,2 GW (vide Figura 2). Embora o crescimento anual tenha sido 26% inferior ao registrado no ano anterior, 2024 representou o quarto ano de maior adição de capacidade na história do setor. A vanguarda tecnológica é notavelmente liderada pela China, que tem se destacado na instalação e operação de aerogeradores offshore de 18 a 26 MW. Exemplos proeminentes incluem o protótipo flutuante de 16,6 MW da Mingyang, com design de torre dupla, e os anúncios de turbinas de 22 MW pela Goldwind e o modelo SG 21.5-276 DD pela SGRE (vide Figura 3 e 4), evidenciando uma corrida tecnológica para superar a barreira dos 20 MW. ¹

A despeito desse contínuo crescimento, a expansão da energia eólica offshore enfrenta desafios significativos. Projetos na área são marcados por elevados custos iniciais de capital (CAPEX) e pressões de custo contínuas que incluem a alta nos preços de commodities e matérias-primas, como também, o aumento nos custos de mão de obra e nos custos de capital, impulsionados pela inflação e pelo aumento das taxas de juros.

Figura 3 - Protótipo flutuante.
Figura 4 - Turbina eólica flutuante em operação na China.

Do ponto de vista técnico, o aumento no tamanho das turbinas gera preocupações de qualidade para os fabricantes de equipamentos, com relatos de falhas como fraturas de pás e vibrações excessivas. Frequentemente, os padrões de projeto existentes mostram-se inadequados para as demandas de turbinas de grande porte da classe multi-megawatts. Adicionalmente, fatores logísticos e regulatórios, como a insuficiência de infraestrutura de conexão à rede elétrica e a complexidade para obter licenças ambientais marítimas, podem ocasionar atrasos substanciais nos projetos. ¹

Desse modo, a tecnologia fotovoltaica se destaca pelo menor custo inicial e ampla aplicabilidade, especialmente com as células de silício cristalino, que dominam o mercado. Já a energia solar térmica concentrada (CST) apresenta maior eficiência e a vantagem do armazenamento térmico, permitindo geração mesmo sem sol, embora demande alto investimento e manutenção constante. Assim, para aplicações descentralizadas e de menor escala, como residências e comércios, a fotovoltaica é mais viável. Por outro lado, em projetos de grande porte e regiões com alta insolação, o CST se mostra uma alternativa estratégica, especialmente onde a estabilidade da rede e o fornecimento contínuo são essenciais.

Neste cenário global de avanços e desafios, o Brasil se destaca com um posicionamento estratégico e promissor. As estimativas do potencial eólico offshore brasileiro foram determinadas a partir da base de dados “ERA 5” e consideraram ventos a 100 metros de altura (vide Figura 5). ³

Figura 5 - Mapeamento do potencial eólico offshore, organizado por faixa de profundidade.³

O Brasil possui um potencial técnico significativo de cerca de 700 GW para energia eólica offshore em locais com até 50 metros de profundidade, no qual a região Nordeste concentra aproximadamente metade desse potencial. De fato seus ventos são caracterizados por pouca variação direcional, altas velocidades médias e baixa ocorrência de eventos extremos, o que favorece a operação dos equipamentos (vide Figura 6). ³

Figura 6 - Potencial técnico eólico offshore do Brasil. ³

Dessa maneira, para transformar o potencial teórico em projetos viáveis, é de suma importância aprofundar as análises com dados meteoceanográficos detalhados e com o mapeamento de restrições de uso, como áreas de proteção ambiental, rotas comerciais, rotas migratórias de aves, áreas de exploração de petróleo ou outras áreas com usos conflitantes. Assim, mesmo com essas limitações, o potencial energético brasileiro é suficiente para que as usinas eólicas offshore possam figurar como opções futuras ao atendimento do país, que tem potencial para ser líder em energia eólica.³

Desse modo, o panorama da energia eólica evidencia um notável contraste de abordagens. De um lado, uma corrida global pelo domínio tecnológico imediato, já o outro, a abordagem calculada do Brasil, que equilibra a força de sua base energética atual com seu vasto potencial de crescimento. Essa postura confere ao país uma vantagem competitiva única, permitindo-lhe ditar o ritmo de sua transição energética e se posicionar como um líder, não apenas como um reagente às tendências mundiais.

Fatores Econômicos

Projetos eólicos, especialmente os de grande porte como a energia eólica offshore, exigem elevados custos iniciais de capital (Capex). Eles dependem fortemente de financiamento, que geralmente cobre de 60% a 70% da estrutura de capital do projeto. O custo da dívida é significativamente influenciado por condições macroeconômicas, como as taxas de juros vigentes.

A Taxa de Financiamento Overnight Garantida (SOFR) subiu para mais de 5% no primeiro semestre de 2023 devido a aumentos agressivos das taxas de juros pelo Federal Reserve dos EUA, resultando em altos custos de captação, e permanece acima dos níveis anteriores a 2022. Desse modo, as decisões de investimento são moldadas pela disponibilidade dos financiadores em realizarem empréstimos, baseadas no perfil de risco do projeto e nas condições de mercado. Assim, os mercados emergentes enfrentam desafios adicionais para atrair financiamento, principalmente, por conta dos riscos percebidos serem mais altos, já que incluem fatores como baixa credibilidade do tomador de crédito e instabilidade política, com custos de dívida persistentemente altos.¹

Outro fator crítico é o aumento do custo de materiais, mão de obra e logística devido à forte demanda e baixa oferta limitada após a pandemia de COVID-19. As tensões geopolíticas intensificam as interrupções existentes nas cadeias de suprimentos globais e contribuem para a volatilidade do mercado. De fato, a indústria eólica possui vulnerabilidades significativas na cadeia de valor devido à escassez e concentração geográfica de matérias-primas essenciais, e à complexidade dos componentes construtivos. Além disso, a intensa competição no design de turbinas eólicas e a “corrida para o tamanho” (vide Figura 7) levaram a um curto ciclo de vida do produto, forçando fornecedores a investir continuamente em novas tecnologias antes de recuperar o ROI (indicador de retorno sobre investimento) de modelos anteriores, gerando instabilidade financeira.¹

Por fim, os leilões para contratos de longo prazo de compra de energia continuam sendo uma rota fundamental para o mercado de projetos renováveis em todo o mundo. Em janeiro de 2025, a capacidade global acumulada de energia limpa leiloada era de 1.280 GW, com a energia eólica representando 31% da capacidade adjudicada desde 2003. Assim, projeta-se para o futuro a realização de leilões que totalizam 68 GW de energia eólica onshore, e 97 GW de energia eólica offshore. Entretanto, a viabilidade comercial de projetos de energia renovável é significativamente desafiada por fragilidades nos mecanismos de leilão e pela imposição de barreiras comerciais. Os leilões para Contratos de Compra de Energia (PPAs) de longo prazo, embora fundamentais para o setor, frequentemente falham ao não incorporar mecanismos de ajuste para a evolução das condições macroeconômicas, como a inflação.

Figura 7 - Tendência do tamanho das turbinas onshore e offshore, 1980-2030. ¹

Essa lacuna torna propostas competitivas, e por vezes agressivas, economicamente insustentáveis ao longo do tempo, resultando na renegociação ou cancelamento de contratos previamente acordados. Simultaneamente, a proliferação de políticas protecionistas, como tarifas e Requisitos de Conteúdo Local (LCRs), fragmenta a cadeia de suprimentos global. Tais medidas restringem o acesso a fornecedores estrangeiros, limitam as opções tecnológicas e elevam os custos, podendo gerar concentração de mercado e, paradoxalmente, prejudicar a competitividade das indústrias locais que se pretendia proteger.¹

No cenário brasileiro, o setor de energia eólica apresentou uma expansão significativa durante o ano de 2024. A produção de eletricidade a partir desta fonte alcançou 107,7 TWh, valor que representa um aumento de 12,4% em relação aos 95,8 TWh gerados no ano anterior. Este crescimento na produção reflete a ampliação de 3,0% na potência instalada do país, que totalizou 29.550 MW. Deste montante, identifica-se que 29.533 MW são relativos à geração centralizada, conforme o Banco de Informações da Geração (SIGA), e são complementados por 17 MW de micro e minigeração distribuída (MMGD⁴). ⁵

O investimento no setor eólico brasileiro demonstra um relevante efeito multiplicador sobre a economia. Calcula-se que cada um real aplicado em novos projetos eólicos gera 2,4 reais de acréscimo ao Produto Interno Bruto (PIB). Esse multiplicador é ligeiramente inferior à média nacional de 2,9, fato que se explica pela composição do gasto de capital (Capex) do setor: aproximadamente 80% deste valor é direcionado a máquinas e equipamentos, que possuem um multiplicador menor. O restante é investido em construção civil, um setor mais intensivo em mão de obra.⁶

A análise dos custos operacionais da geração eólica onshore no Brasil indica que os gastos anuais com Operação e Manutenção (O&M) são estimados em R$90,00 por quilowatt (kW) ao ano, com base em valores de 2020. É relevante destacar que uma parcela significativa dessa despesa operacional (OPEX) se converte em benefício econômico direto para o país. Verifica-se que aproximadamente 45% desses gastos anuais correspondem a um acréscimo efetivo de Valor Adicionado ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.⁵

Dessa maneira, realizando uma análise comparativa, o mercado mundial enfrenta severos desafios, como a elevação dos custos de capital, a volatilidade das cadeias de suprimentos e fragilidades nos modelos de leilão, que ameaçam a viabilidade de novos projetos. Em contrapartida, o setor eólico brasileiro demonstra notável resiliência e uma trajetória de crescimento robusto. Apesar de inserido em um contexto macroeconômico adverso, verifica-se que o setor nacional não apenas expandiu sua capacidade e produção em 2024, mas também converteu tais investimentos em benefícios econômicos concretos, incluindo um expressivo efeito multiplicador no PIB e a geração de valor adicionado a partir de despesas operacionais. Deste modo, enquanto o panorama global é marcado por incertezas que pressionam a execução dos projetos, o Brasil destaca-se pela capacidade de sustentar seu avanço, alavancado por recursos naturais e um ecossistema de investimento eficaz para o crescimento econômico doméstico.

Fatores sociais

O setor de energia eólica empregou cerca de 1,5 milhão de pessoas globalmente em 2023, sendo uma das principais tecnologias a impulsionar o crescimento do emprego em energias renováveis. A China é a líder global em empregos na energia eólica, com 745.000 empregos em 2023, um crescimento de 9% em relação a 2022, representando 51% do total mundial (vide Figura 8). Segundo o CRES (2024), no mercado chinês, esses empregos se dividem principalmente entre os setores de construção e instalação (234.700) e Operação e Manutenção (O&M) (136.300).⁷

Figura 8 - Emprego na energia eólica em 2023: Dez principais países.⁷

No Brasil, o setor de energia eólica tem se consolidado como um importante vetor de geração de empregos. Em 2023, o setor eólico brasileiro gerou 80.300 empregos, um aumento significativo em relação aos 67.700 postos de trabalho de 2022. Essa expansão posiciona o Brasil entre os dez principais países em empregos eólicos globalmente. A distribuição desses empregos no país concentra-se majoritariamente na construção civil (44%), seguida pela indústria (34%) e pela O&M (22%). Geograficamente, a maior parte da capacidade eólica brasileira está localizada em apenas dois estados do Nordeste, o Rio Grande do Norte e a Bahia, que juntos respondem por dois terços da capacidade total.⁷

Segundo estimativa da ABEEólica, publicada em 2022, a fase de construção dos parques foi responsável pela criação de aproximadamente 196 mil postos de trabalho entre 2011 e 2020, o que equivale a uma média de 10,7 empregos por megawatt (MW) instalados. Para a fase subsequente de O&M, a geração de empregos, embora contínua, ocorreu em menor proporção, com uma média estimada de 0,6 postos de trabalho por MW instalado.⁸

Além disso, o número de profissionais treinados pela Organização Global de Energia Eólica (GWO) no Brasil aumentou drasticamente de 600 em 2018 para 10.200 em 2023. Paralelamente, o número de centros de treinamento GWO ativos no país cresceu de 2 em 2018 para 27 no final de 2023. Este crescimento na qualificação de pessoal é crucial, pois a “Nova Indústria Brasil”, uma política industrial nacional, prevê investimentos que impulsionam a demanda por energia eólica, sugerindo a criação de empregos locais como parte dos esforços de descarbonização. Adicionalmente, o volume de técnicos eólicos treinados localmente pode gerar benefícios socioeconômicos para as comunidades que abrigam projetos e infraestrutura eólica, e pode até fornecer uma resposta ao possível deslocamento de trabalhadores de indústrias de combustíveis fósseis. Nesse sentido, a ABEEólica, em parceria com a GWO, está focada em fortalecer a cadeia produtiva eólica brasileira, incluindo o estabelecimento de diretrizes alinhadas à indústria para treinamento técnico e de segurança.⁹

Adicionalmente, o setor global de energia eólica, apesar de seu crescimento e importância para a transição energética, ainda enfrenta uma significativa lacuna de gênero. As mulheres constituem apenas aproximadamente 21% da força de trabalho global em energia eólica e ocupam somente 8% dos cargos de liderança sênior, com a maioria delas em funções administrativas e não relacionadas a STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Essa sub-representação é exacerbada por barreiras de gênero que 65% das mulheres relatam enfrentar, incluindo preconceito, rejeição em reuniões, hesitação em reivindicar o que desejam e barreiras culturais em casa, que são desafios comuns enfrentados por mulheres de diversas regiões como Ásia, África e América do Sul. A falta de oportunidades de mentoria também é uma barreira crucial para a progressão na carreira feminina, especialmente na África Subsaariana.¹⁰

Figura 9 - Mulheres no setor de energia eólica. ¹⁰

Para combater essa desigualdade, o Programa de Liderança Global Mulheres na Energia Eólica (WiW) foi criado em 2019 como uma resposta estratégica para promover a igualdade de gênero no setor. O programa oferece uma jornada de 12 meses de mentoria, networking e treinamento, onde as participantes são pareadas com mentores experientes da indústria. Nos primeiros cinco anos, o WiW já impactou mais de 80 mulheres em mais de 20 mercados emergentes. Os resultados mostram um impacto profundo na vida profissional das mentoradas, com 84% relatando maior confiança para buscar oportunidades de avançar na carreira, e 77% avançando em suas carreiras. Aumentar o fluxo de talentos femininos é crucial para o setor eólico, pois equipes diversificadas impulsionam a inovação, fortalecem a resiliência e aprimoram a tomada de decisões, sendo essencial para a luta contra as mudanças climáticas e a aceleração da transição energética.¹⁰

Desse modo, enquanto o cenário social da energia eólica global é marcado pela escala massiva de empregos, com a China respondendo por mais da metade do total, e por um debate proeminente sobre a desigualdade de gênero, o Brasil se destaca por um enfoque mais localizado. Embora o Brasil também apresente desigualdade de gênero, o impacto social é caracterizado pela forte concentração de empregos e desenvolvimento no Nordeste e por um investimento estratégico na qualificação da mão de obra local, visando maximizar os benefícios socioeconômicos para as comunidades que abrigam os projetos.

Fatores Ambientais

Para além dos fatores sociais, os fatores ambientais constituem um pilar central na justificativa para a expansão da energia eólica. A expansão do setor elétrico global em 2024 foi predominantemente impulsionada por fontes renováveis, que representam 90% de todo o crescimento, com a energia eólica contribuindo com 20% desse avanço. Tal crescimento traduz-se em benefícios ambientais diretos, pois a geração eólica melhora a qualidade do ar ao substituir a queima de combustíveis fósseis. Um exemplo notável ocorre no Reino Unido, onde a energia eólica superou o gás em 2024, fornecendo 30% da eletricidade do país e reduzindo as emissões anuais de carbono em mais de 35 milhões de toneladas.¹

Outrossim, a energia eólica, embora reconhecida como uma das fontes mais limpas e sustentáveis de eletricidade, não está isenta de impactos ambientais significativos em larga escala. Os desafios mais importantes incluem a perda de biodiversidade, especialmente aves e morcegos, que são vulneráveis a colisões com as pás das turbinas, sobretudo em rotas migratórias. Além disso, a questão da reciclagem dos equipamentos também é um desafio para ambas as tecnologias, as turbinas eólicas têm uma vida útil longa, mas as pás, feitas de materiais compostos, são difíceis de reciclar. Há também a alteração e degradação de habitats naturais devido à necessidade de desmatamento e remoção de vegetação para a instalação de turbinas e infraestrutura, o que pode levar à degradação do solo, erosão e fragmentação de habitats.

Outros impactos relevantes são a poluição sonora gerada pelas turbinas, que afeta tanto humanos quanto animais, bem como, o impacto visual que altera significativamente a paisagem natural e pode prejudicar o turismo e o senso de identidade local. Por fim, os impactos sobre o solo, com a necessidade de fundações profundas que alteram sua estrutura e podem exacerbar uma degradação em áreas frágeis. As turbinas podem criar também um microclima local, alterando padrões de vento e temperatura com consequências para a agricultura. O desenvolvimento de parques pode gerar conflitos sociais relacionados ao uso da terra, resultando em deslocamento de comunidades e disputas fundiárias, com repercussões ambientais.¹¹

Em outro cenário, os parques de geração no Brasil apresentam impactos ambientais e na saúde das populações que residem em suas proximidades. Entre as principais preocupações com a saúde humana, destaca-se a denominada “Síndrome da Turbina Eólica”, condição associada à exposição contínua a ruídos e infrassons, atualmente sob investigação por instituições como a Fiocruz e a Universidade De Pernambuco (UPE). Os sintomas reportados incluem desde distúrbios do sono e problemas auditivos até tonturas e dores de cabeça. O impacto psicossocial é evidenciado em comunidades como a do sítio Sobradinho (PE), onde estudos apontaram que 57% dos moradores desejavam se mudar por conta dos aerogeradores e 60% relataram algum transtorno mental. No âmbito da biodiversidade, a fauna é diretamente afetada, a colisão de aves com as pás é um risco conhecido, embora tecnologias como radares e a pintura de pás possam reduzir a mortalidade em até 70%. Além disso, observa-se a alteração nos padrões de deslocamento de grandes felinos, como onças-pardas e pintadas, na Bahia, e outros impactos ambientais como a impermeabilização do solo pela infraestrutura.¹²

Fatores Culturais

As políticas de incentivo à energia eólica, embora primariamente de natureza econômica, representam um importante vetor de interação com fatores culturais locais. Essa interseção ocorre quando as diretrizes governamentais promovem o desenvolvimento de conteúdo local, a qualificação da mão de obra e benefícios diretos para as comunidades. A iniciativa chinesa “Milhares de Municípios e Vilas Adotando a Energia Eólica”, por exemplo, busca alinhar a construção de projetos em zonas rurais com os valores do desenvolvimento comunitário. De modo análogo, a Polônia utiliza incentivos flexíveis para fortalecer sua cadeia de suprimentos e identidade industrial local. Já na Índia, a ênfase na qualificação da força de trabalho atua como uma forma de empoderamento que dialoga diretamente com as necessidades culturais de progresso e emprego.¹

Além das políticas de incentivo, é de grande importância analisar a relação da implantação de projetos eólicos com as comunidades locais. Uma questão central é o procedimento inadequado de consulta e participação cidadã, onde faltam regras claras e justas, em que a informação é limitada e de difícil acesso. Casos como os da população Wayúu na Colômbia e da fazenda Eólica del Sur no México demonstram consultas fragmentadas, atrasadas ou com diálogo restrito, gerando desconfiança. A comunidade de El Ciruelo Sur, em Los Angeles, Chile, também está em campanha ativa contra a construção de parques eólicos, sentindo que não foram informados sobre os projetos e que suas preocupações não foram abordadas (vide Figura 10).

O acesso à informação foi dificultado por documentação limitada e pela falha em conduzir o processo de consulta na língua da comunidade indígena. Mais grave ainda, contratos são por vezes assinados antes da consulta, violando o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI). Essa falha em garantir a participação informada, juntamente com a repressão policial e a violência em resposta aos protestos, configura uma “grilagem verde”, que mascara a apropriação de terras e recursos sob uma narrativa ambientalista, replicando práticas exploratórias. Outrossim, os impactos ambientais são significativos, incluindo a contaminação de águas subterrâneas por dinamite, danos à fauna local, como aves e morcegos, alteração da paisagem visível a longas distâncias, e poluição sonora que afeta o sono e causa dores de cabeça aos moradores.¹³

Figura 10 - Protesto da comunidade El Ciruelo Sur contra o Parque Eólico Campo Lindo em Los Ángeles, Chile. ¹³

Adicionalmente, no Brasil, também existem conflitos socioambientais, configurando um quadro de injustiça ambiental que afeta desproporcionalmente comunidades tradicionais e populações em situação de vulnerabilidade. Essa injustiça materializa-se, primeiramente, pela perda de acesso a territórios essenciais para a subsistência, bloqueando atividades como a pesca, o extrativismo e a agricultura, como exemplificado pela comunidade litorânea da praia de Xavier, em Camocim (Ceará). Nesse local, moradores tiveram seu trânsito prejudicado e não puderam mais pescar em lagoas interdunares (vide Figura 11) que desapareceram com a instalação dos geradores, causando déficit alimentar. Da mesma forma, a qualidade de vida dos moradores é degradada por impactos diretos como rachaduras em residências e poeira excessiva, como no caso da comunidade do Cumbe (CE), além da poluição sonora contínua oriunda das operações. Sendo assim, o acúmulo desses fatores, que interferem drasticamente no modo de vida e bem-estar, que frequentemente negligenciam questões fundiárias cruciais, resulta em uma clara violação de direitos.¹⁴

Figura 11 - Construção de vias de acesso dos parques eólicos¹⁴

Conclusão

A análise dos fatores que influenciam a adoção da energia eólica revela um cenário de rápida evolução e contrastes significativos entre o panorama global e a realidade brasileira. Globalmente, há uma “corrida” tecnológica por turbinas cada vez maiores, com a China liderando as instalações onshore e offshore, mas o setor offshore enfrenta elevados custos de capital, preocupações com a qualidade dos equipamentos e complexidades logísticas e regulatórias. Economicamente, o mercado mundial lida com custos de capital elevados, volatilidade nas cadeias de suprimentos e fragilidades nos mecanismos de leilão, ameaçando novos projetos. Em contrapartida, o Brasil já consolidou seu setor eólico onshore, com quase 30 GW de potência e potencial de expansão, além de possuir um imenso potencial técnico offshore. O setor eólico brasileiro demonstra notável resiliência, com constante expansão da capacidade de produção, gerando um expressivo efeito multiplicador no PIB.

Socialmente, o setor é um importante gerador de empregos globalmente (1,5 milhão em 2023, sendo mais da metade na China), mas enfrenta uma significativa lacuna de gênero. No Brasil, gerou 80.300 empregos em 2023, concentrados no Nordeste, com investimento estratégico na qualificação da mão de obra local. Ambientalmente, embora crucial para a redução de emissões, a energia eólica não está isenta de impactos como perda de biodiversidade, alteração de habitats, poluição sonora e visual, com preocupações específicas no Brasil como a “Síndrome da Turbina Eólica” e a alteração da fauna local. Por fim, culturalmente, a expansão tem gerado conflitos socioambientais e problemas de justiça ambiental tanto em nível global quanto no Brasil, frequentemente devido a procedimentos inadequados de consulta, falta de acesso à informação e violação de direitos de comunidades locais e tradicionais, resultando em perda de acesso a territórios e degradação da qualidade de vida. Dessa forma, o avanço sustentável da energia eólica exige uma abordagem variada que considere os complexos desafios sociais, ambientais e culturais, além da viabilidade técnica e econômica.

REFERÊNCIAS

  1. GWEC – Global Wind Energy Council. Global wind report 2025. [S.l.]: GWEC, 2025. Disponível em: https://26973329.fs1.hubspotusercontent-eu1.net/hubfs/26973329/2.%20Reports/Global%20Wind%20Report/GWEC%20Global%20Wind%20Report%202025.pdf.
  2. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Plataforma interativa de energia eólica onshore no Brasil. [S.l.]: EPE, 2024 (atualizada com dados de 2024). Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plataforma-interativa-de-energia-eolica-onshore-no-brasil
  3. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Roadmap Eólica Offshore Brasil: Perspectivas e caminhos para a energia eólica marítima. [S.l.]: EPE, 2020. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/roadmap-eolica-offshore-brasil.
  4. Micro e Minigeração Distribuída (MMGD): Produção de energia elétrica em pequena escala, geralmente a partir de fontes renováveis, próxima ao local de consumo. O excedente da energia utilizada pode ser injetado na rede da distribuidora, gerando créditos para o consumidor.
  5. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional – BEN 2025 (ano base 2024). [S.l.]: EPE, 2025. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-885/topico-767/BEN_Síntese_2025_PT.pdf.
  6. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA EÓLICA – ABEEÓLICA; BORGES, Bráulio. Estimativas dos impactos dinâmicos do setor eólico sobre a economia brasileira. São Paulo: ABEEólica, fev. 2022. Disponível em: https://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2022/02/Estudo-Braulio_final.pdf.
  7. INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY – IRENA; INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION – ILO. Renewable energy and jobs: Annual Review 2024. 11. ed., com colaboração ILO. Abu Dhabi: IRENA; Genebra: ILO, out. 2024. Disponível em: https://www.irena.org/Publications/2024/Oct/Renewable-energy-and-jobs-Annual-review-2024.
  8. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA EÓLICA E NOVAS TECNOLOGIAS – ABEEÓLICA. O setor [página da web]. São Paulo: ABEEólica, [2025?]. Disponível em: https://abeeolica.org.br/energia-eolica/o-setor/.
  9. GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL – GWEC; GLOBAL WIND ORGANISATION – GWO. Global Wind Workforce Outlook 2024‑2028. Lançado em Incheon, Coreia do Sul, em nov. 2024. Disponível em: https://www.gwec.net/reports/global-wind-workforce-outlook/2024-2028.
  10. GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL – GWEC; GLOBAL WOMEN’S NETWORK FOR THE ENERGY TRANSITION – GWNET. Women in Wind: Five Year Impact Evaluation Report. Abu Dhabi/Genebra: IRENA/GWEC‑GWNET, 2025. Disponível em: https://www.gwec.net/women-in-wind/impact-evaluation.
  11. PEREZ, Lucas Cabrera. Energia eólica e sustentabilidade ESG: desafios e impactos [Trabalho de Conclusão de Curso — Administração]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC‑SP), 2025. Orientador: Alexandre Luzzi Las Casas. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/43784/1/TCC%20Final%20-%20Lucas%20Cabrera%20Perez_R01_ALEXANDRE%20LUZZI%20LAS.pdf.
  12. UOL – ECOA (redação). Síndrome e morte de pássaros: quais os impactos das usinas eólicas. UOL Notícias: Meio Ambiente, 25 jun. 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2024/06/25/usina-eolica-impactos.htm.
  13. GLOBAL ENERGY MONITOR. Problemas de justicia ambiental relacionados a la energía eólica en Latinoamérica. San Francisco: Global Energy Monitor, 2022. Disponível em: https://globalenergymonitor.org/wp-content/uploads/2022/03/Problemas-de-Justicia-Ambiental-relacionados-a-la-Energia-Eolica-en-Latinoamerica.pdf
  14. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC. Os impactos ambientais e sociais da produção de energia eólica. Fortaleza: Agência UFC, [2025?]. Disponível em:https://agencia.ufc.br/os-impactos-ambientais-e-sociais-da-producao-de‑energia-eolica/.

 

Autor:

Sarah de Almeida Lima é aluna de Engenharia de Produção da UEM e bolsista de Iniciação Tecnológica (Fundação Araucária) do NAPI EZC. Desenvolve o projeto intitulado “Estudo e determinação dos fatores que influenciam a adoção de diferentes soluções em geração e coleta de energia limpa”, sob a orientação do Prof. Dr. Ivair Aparecido dos Santos, docente do DFI/UEM.

Essa pesquisa
contribui para as seguintes ODS:

CANAIS DE CONTATO DO NAPI

Envie sua mensagem, dúvidas ou sugestões para o e-mail:

napi_ezc@iaraucaria.pr.gov.br | (44) 3011-5914