Esses efeitos abrem uma vasta gama de aplicações tanto na produção de energia quanto em tecnologias de controle de temperatura, especialmente em ambientes onde o calor seria desperdiçado ou onde o controle preciso da temperatura é necessário.
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Os materiais termoelétricos tem ganhado destaque nos últimos anos por sua capacidade de converter diretamente diferenças de temperatura em eletricidade. Esta conversão ocorre através de fenômenos físicos que envolvem semicondutores e seus gradientes de temperatura, e essa propriedade tem diversas aplicações, especialmente na produção de energia limpa e na recuperação de calor desperdiçado em processos industriais.
O crescente interesse por materiais termoelétricos está relacionado com a necessidade global de fontes de energia sustentáveis. Esses materiais têm o potencial de aproveitar a energia térmica perdida e transformá-la em eletricidade utilizável, contribuindo para a redução de emissões de carbono e aumentando a eficiência de sistemas energéticos. Além disso, eles também são utilizados em sistemas de refrigeração, oferecendo soluções mais compactas e eficientes [2].
Embora o Brasil possua uma matriz elétrica majoritariamente renovável, a operação de usinas termoelétricas baseadas em combustíveis fósseis ainda representa uma significativa fonte de poluição. O inventário do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) [1] indica que, em 2020, as 72 usinas inventariadas emitiram um total de 32,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2). Dentre essas, apenas 12 usinas foram responsáveis por 55% das emissões totais de gases de efeito estufa, sendo oito delas movidas a carvão mineral e quatro a gás natural. Quase a totalidade das emissões de CO2 (94%) foi atribuída a apenas 36 plantas, o que representa a metade das usinas fósseis de serviço público do Sistema Interligado Nacional (SIN). Usinas movidas a carvão mineral e óleo diesel também se destacam pelos elevados índices de poluentes atmosféricos, como dióxido de enxofre (SO2), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado, evidenciando o impacto ambiental desses empreendimentos, mesmo em um contexto de predominância de fontes renováveis na matriz energética brasileira.
A disparidade regional também chama atenção: estados do Norte e Nordeste concentram usinas mais poluentes, resultado da limitada disponibilidade de gás natural nessas regiões. Essa dependência de fontes mais intensivas em carbono revela a urgência de políticas que priorizem tecnologias de menor impacto ambiental. Nesse contexto, os materiais termoelétricos aparecem como uma possibilidade promissora para descentralizar e diversificar a geração de energia elétrica, reduzindo a necessidade de recorrer a combustíveis fósseis altamente poluentes em períodos de escassez hídrica.
Materiais termoelétricos são substâncias capazes de converter calor diretamente em eletricidade, ou vice-versa, com base nos efeitos Seebeck e Peltier. O efeito Seebeck ocorre quando dois materiais diferentes são conectados, formando uma junção. A diferença de temperatura entre as junções gera uma tensão elétrica, que pode ser utilizada para produzir eletricidade. Já o efeito Peltier, por outro lado, refere-se ao fenômeno inverso: quando uma corrente elétrica é aplicada em um circuito termoelétrico, o gradiente de temperatura é gerado, resultando no resfriamento ou aquecimento dos materiais [3].
Esses efeitos abrem uma vasta gama de aplicações tanto na produção de energia quanto em tecnologias de controle de temperatura, especialmente em ambientes onde o calor seria desperdiçado ou onde o controle preciso da temperatura é necessário.
A principal vantagem dos materiais termoelétricos na produção de energia limpa está relacionada à sua capacidade de recuperar energia térmica desperdiçada. Em processos industriais, cerca de 60% da energia é perdida na forma de calor, e os dispositivos termoelétricos oferecem uma solução para aproveitar parte dessa energia que, de outra forma, seria desperdiçada. Em sistemas onde o calor é uma consequência inevitável, como motores de automóveis, indústrias siderúrgicas ou plantas de energia, os materiais termoelétricos podem ser integrados para converter esse calor em eletricidade [5].
Além disso, uma característica atrativa desses dispositivos é que eles não possuem partes móveis, o que reduz significativamente a necessidade de manutenção e aumenta sua durabilidade. Em aplicações espaciais, por exemplo, onde a geração de energia em ambientes extremos é crucial, os materiais termoelétricos têm sido amplamente utilizados. Eles também podem ser empregados em dispositivos portáteis, recuperando pequenas quantidades de calor e fornecendo energia para sensores, dispositivos eletrônicos e equipamentos médicos [4].
Dois dos dispositivos termoelétricos mais comuns são o termopar e o módulo Peltier, que utilizam os princípios termoelétricos para medir temperatura e controlar o fluxo de calor, respectivamente.
Os módulos Peltier são circuitos termoelétricos que, ao receber uma corrente elétrica, criam um gradiente de temperatura, resultando no aquecimento de um lado e no resfriamento do outro. Esse efeito é utilizado em uma vasta gama de aplicações, incluindo refrigeradores, bebedouros, sistemas de refrigeração de computadores e até em câmeras e sensores [3].
Os módulos Peltier são baseados no efeito Peltier, descoberto pelo físico Jean Charles Peltier. Ele utilizou o efeito Seebeck, que ocorre quando materiais diferentes, expostos a temperaturas distintas, geram uma tensão elétrica, criando assim um gradiente de temperatura. Com o tempo, essa tecnologia evoluiu e se tornou uma solução eficiente e compacta para sistemas de controle térmico. Em aplicações industriais, os módulos Peltier têm sido utilizados em sistemas de resfriamento onde o controle preciso de temperatura é essencial. Eles também são empregados em sistemas portáteis, como coolers de computadores e em aquários, onde a precisão no controle de temperatura é crítica [2].
Os módulos Peltier, também conhecidos como pastilhas termoelétricas, são dispositivos baseados no efeito termoelétrico que permitem o resfriamento ou aquecimento de superfícies a partir da aplicação de corrente elétrica. Os principais materiais utilizados em sua fabricação são ligas semicondutoras à base de telureto de bismuto (Bi₂Te₃), que, quando dopadas adequadamente, originam elementos do tipo N e tipo P. Esses elementos são dispostos alternadamente entre duas placas cerâmicas, geralmente compostas por óxido de alumínio (Al₂O₃), que oferecem isolamento elétrico e boa condução térmica [8, 9].
O telureto de bismuto dopado é amplamente utilizado devido à sua elevada eficiência termoelétrica na faixa de temperaturas em que os módulos Peltier operam, geralmente entre 20 °C e 100 °C. As placas cerâmicas não apenas conferem rigidez estrutural ao módulo, como também protegem os materiais semicondutores contra umidade e oxidação [10]. Para completar o conjunto, os fios condutores que interligam os pares termoelétricos são geralmente isolados com materiais como o politetrafluoroetileno (PTFE), que apresenta excelente resistência térmica [11].
Apesar da alta eficiência e da durabilidade promovidas pela combinação de telureto de bismuto e cerâmicas técnicas nos módulos Peltier, os impactos ambientais associados a esses materiais são significativos. A extração do bismuto e, especialmente, do telúrio, envolve processos de mineração complexos e intensivos em energia, muitas vezes associados à liberação de resíduos tóxicos e à degradação de ecossistemas locais.
O telúrio, por ser um elemento relativamente raro na crosta terrestre, exige técnicas de refino sofisticadas que, além de custosas, geram subprodutos perigosos para o meio ambiente. A produção das placas cerâmicas de óxido de alumínio também não é isenta de impactos, uma vez que o beneficiamento da bauxita demanda grandes volumes de energia e libera poluentes atmosféricos. Esses fatores colocam em pauta a necessidade de se avaliar criticamente a sustentabilidade de tecnologias baseadas no efeito Peltier, considerando não apenas sua eficiência funcional, mas também sua pegada ecológica ao longo de todo o ciclo de vida [8].
Os termopares são os sensores de temperatura mais utilizados no mundo devido à sua simplicidade, confiabilidade e baixo custo. Um termopar é composto por dois metais diferentes que, ao serem conectados em dois pontos distintos, formam um circuito. A diferença de temperatura entre esses dois pontos gera uma tensão elétrica devido ao efeito Seebeck, que pode ser medida e utilizada para calcular a temperatura.
Os termopares são amplamente utilizados em indústrias como siderúrgicas, petroquímicas e fundições, onde são necessárias medições precisas em ambientes de alta temperatura. Além disso, eles são empregados em laboratórios de pesquisa, na indústria automotiva e aeroespacial, para monitorar temperaturas de motores e sistemas de aquecimento, além de serem usados em sistemas de controle de temperatura em freezers, caldeiras e outros equipamentos [4].
Os materiais utilizados na fabricação de termopares apresentam diferentes níveis de impacto ambiental ao longo de seu ciclo de vida. Ligas como ferro, cobre, níquel e cromo, por exemplo, são comuns na produção de termopares dos tipos J, K e T. A mineração de cobre e níquel, presente em ligas como o constantan, pode provocar contaminação de águas subterrâneas e superficiais, além de liberar metais pesados prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. O uso de cromo em ligas como o chromel acarreta riscos adicionais devido à possível liberação de compostos de cromo hexavalente, altamente tóxicos. Já ligas mais nobres, como as de platina e ródio, utilizadas nos termopares dos tipos R, S e B, envolvem processos de extração altamente poluentes, com consumo intensivo de energia e geração de resíduos tóxicos. Apesar de sua alta precisão e resistência térmica, esses materiais elevam significativamente a pegada ambiental do sensor. Assim, a escolha do tipo de termopar deve levar em conta não apenas o desempenho térmico, mas também critérios ambientais e de sustentabilidade [7].
Embora os dispositivos termoelétricos ofereçam vantagens significativas — como ausência de partes móveis, funcionamento silencioso, baixa manutenção e adaptabilidade a diferentes escalas —, sua implementação em larga escala ainda enfrenta obstáculos importantes. Segundo Caballero-Caler [6], os materiais termoelétricos mais amplamente utilizados atualmente são baseados em elementos pesados e escassos, como bismuto e telúrio, cujas abundâncias na crosta terrestre são comparáveis às de metais nobres, o que eleva significativamente os custos de produção. Além disso, muitos compostos de alto desempenho apresentam toxicidade elevada, como é o caso do chumbo, amplamente estudado, mas restrito por legislações como as da União Europeia.
Tradicionalmente, a pesquisa na área tem se concentrado no aumento do fator de mérito adimensional zT, associado à eficiência de conversão dos materiais termoelétricos. Embora valores superiores a 2 tenham sido obtidos em laboratório — indicando eficiências acima de 10% em protótipos de prova de conceito —, essas conquistas ainda não se traduziram em soluções comercialmente viáveis e amplamente sustentáveis. Por isso, a atenção da comunidade científica tem se voltado para o desenvolvimento de materiais baseados em elementos mais abundantes, menos tóxicos e de menor custo, como sulfetos, tetraedritas, óxidos, silicetos, iodetos de cobre e compostos Half-Heusler formados por elementos abundantes na natureza [6].
No entanto, Caballero-Caler [6] também destaca que, apesar das promissoras propriedades termoelétricas de muitos desses materiais “verdes”, seu desempenho ainda não atinge os mesmos patamares dos compostos tradicionais em termos de eficiência. Soma-se a isso o desafio da síntese controlada e da estabilidade térmica a longo prazo. A análise ainda aponta que, embora exista uma crescente valorização da sustentabilidade no campo dos materiais termoelétricos — evidenciada por um aumento exponencial da presença da palavra “sustentável” nos artigos da área —, ainda há um caminho considerável a ser percorrido para que se consolidem soluções verdadeiramente eficazes, seguras e acessíveis. A necessidade urgente de fontes de energia limpas, aliada ao desperdício energético em processos térmicos convencionais, torna esse desafio particularmente relevante no atual cenário de crise climática e escassez de combustíveis fósseis.
O uso de materiais termoelétricos tem demonstrado um potencial promissor para a conversão de calor residual em eletricidade, contribuindo diretamente para a eficiência energética em diversos setores. Avanços recentes na síntese química em solução desses materiais, especialmente em larga escala, oferecem caminhos viáveis para a incorporação tecnológica em dispositivos reais, sem comprometer suas propriedades termoelétricas [13]. Essa capacidade de produzir nanomateriais com controle estrutural e boa estabilidade aponta para um cenário em que a recuperação de calor, atualmente desperdiçado, poderá se tornar uma fonte secundária relevante de energia, inclusive em veículos e processos industriais.
Essa perspectiva se mostra particularmente importante diante das urgências climáticas destacadas nos relatórios mais recentes sobre as mudanças globais. A mitigação de emissões depende não apenas de uma transição para fontes renováveis, mas também da otimização de processos já existentes, e é nesse ponto que a tecnologia termoelétrica pode exercer papel complementar relevante [12]. A aplicação em escala comercial, no entanto, exigirá o enfrentamento de desafios relacionados ao custo, à durabilidade e à integração desses materiais em sistemas complexos. Ainda assim, a combinação entre pesquisa básica em novos compostos e avanços em engenharia de materiais tende a acelerar esse processo.
Com isso, o desenvolvimento de soluções termoelétricas não se restringe ao avanço científico em si, mas se alinha a uma demanda prática e urgente por eficiência energética, redução de emissões e sustentabilidade. À medida que novas abordagens de síntese permitem superar barreiras técnicas, torna-se possível imaginar um futuro em que o calor residual seja sistematicamente reaproveitado como fonte de energia limpa e complementar, reduzindo impactos ambientais e contribuindo para a construção de um modelo industrial mais atento às necessidades climáticas globais.
REFERÊNCIAS
[1] Instituto de Energia e Meio Ambiente. Inventário do setor termelétrico no Brasil aponta que dez empresas foram responsáveis por 88,8% das emissões de CO₂. 2024. Acesso em: 4 abr. 2025.
[2] INCROPERA, Frank P.; et al. Fundamentos de Transferência de Calor e de Massa. LTC, 2014.
[3] SAKAMOTO, Toshiki; SUZUKI, Yasuhiro; HIRASAWA, Takeshi. Development of high-power large-sized Peltier module. Furukawa Review, v. 27, p. 9–113, 2005.
[4] MOREIRA, Lúcia. Medição de temperatura usando-se termopar. Cerâmica Industrial, v. 7, n. 5, p. 51–53, 2002.
[5] CALLISTER, W. D.; RETHWISCH, D. G. Materials Science and Engineering: An Introduction. 10th ed. Wiley, 2020.
[6] CABALLERO-CALERO, O.; ARES, J. R.; MARTÍN-GONZÁLEZ, M. Environmentally friendly thermoelectric materials: high performance from inorganic components with low toxicity and abundance in the earth. Advanced Sustainable Systems, v. 5, n. 11, 2100095, 2021.
[7] SERVO AUTOMAÇÃO. Tipos de termopares. Acesso em: 9 abr. 2025.
[8] SILVA, A. P. da; OLIVEIRA, J. P. de; SOUZA, V. A. de. Viabilidade de utilização de uma pastilha Peltier. Revista RETEC, v. 4, n. 1, p. 1–7, 2017. Acesso em: 9 abr. 2025.
[9] SOUZA, A. A. de. Termoelétrica Peltier: Aproveitamento do calor do escapamento dos motores a combustão com células termoelétricas. Universidade de Rio Verde, 2013. Acesso em: 9 abr. 2025.
[10] PONTO DA ELETRÔNICA. Pastilha Peltier TEC1-12704. Acesso em: 9 abr. 2025.
[11] KRONBAUER, A. C. Projeto e construção de um mini refrigerador com pastilhas termoelétricas. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira. Acesso em: 9 abr. 2025.
[12] IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change; Core Writing Team; Pachauri, R. K., MEYER, L. A., Eds.; IPCC: Geneva, Switzerland, 2023. Acesso em: 9 abr. 2025.
[13] LI, R.; CHAKRABARTY, S.; CAO, Y.; MAITY, H.; TANG, Y.; KANATZIDIS, M. G. Scalable solution chemical synthesis and comprehensive analysis of Bi₂Te₃ and Sb₂Te₃ nanomaterials for thermoelectrics. Journal of the American Chemical Society, v. 142, n. 20, p. 9567–9576, 2020. DOI: 10.1021/jacs.0c01917. Acesso em: 9 abr. 2025.
Autor:
Lucas Antunes Feliz, realizada estudos sob orientação do prof. dr. Luiz Gustavo Davanse da Silveira