MANUFATURA ADITIVA: A revolução que está sendo construída

Wagner André Gambi Orlando*

Desde os primórdios da humanidade, a constante busca pela transformação do meio ambiente, para a satisfação das necessidades sociais ao longo de toda história, consolidou-se como um fator fundamental tanto para a otimização de atividades humanas, quanto para a evolução dos meios de produção de recursos

Entretanto, as relações entre homem e natureza, historicamente, nem sempre foram respaldadas em princípios de economia e sustentabilidade. Por consequência disso, a existência de uma postura permissiva, perante atitudes oriundas de um domínio agressivo, abusivo e ganancioso dos insumos naturais, impactou e ainda impacta negativamente fatores como a ocorrência de catástrofes ambientais, a multiversidade de espécies e a escassez de recursos básicos.

Nesse sentido, em virtude dos resultados de seu inconsequente comportamento, os humanos passaram a perceber a sua situação de vulnerabilidade, perante ao meio ambiente, quando este é compreendido como um mero objeto e não como uma das condições básicas para a vida na Terra.

Dentre as principais inovações alinhadas com o ideal contemporâneo de preservar os recursos naturais, tem-se a ascensão da manufatura aditiva como um método eficiente, econômico, personalizado e sustentável para a produção de diversos mecanismos altamente tecnológicos.

Nessa perspectiva, vamos abordar a importância da manufatura aditiva, no contexto da emergente Indústria 4.0, para a construção de um futuro com o melhor aproveitamento possível dos recursos naturais e de novas tecnologias, sem prejudicar a fonte de toda e qualquer evolução humana: o meio ambiente.

Manufatura Aditiva e seus processos: a construção de um legado.

A manufatura aditiva é assim denominada por referenciar um processo produtivo que consiste na adição autônoma de material, com alta precisão, para a obtenção de estruturas desejadas. 

  • Mas como esse material é adicionado na formação de peças? 
  • Quais são as etapas necessárias para produzir um protótipo utilizando esse tipo de manufatura?

Para responder a essas e outras perguntas, é fundamental a compreensão do progresso desse método de produção e de como as tecnologias de suporte foram criadas, com base no contexto histórico das últimas Revoluções Industriais.

Nesse sentido, tardiamente, as primeiras discussões sobre o desenvolvimento sustentável, a nível internacional, aconteceram apenas no ano de 1972 durante a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em Estocolmo, na Suécia. 

Na oportunidade mencionada, países de todo o mundo se uniram a fim de frear um desenvolvimento desordenado e inconsciente, com relação à preservação dos recursos naturais, o qual se tornou um símbolo do início da industrialização social com a ascensão de métodos produtivos em série como o Fordismo.

No entanto, com a consolidação da Terceira Revolução Industrial em 1950, e posteriormente da Quarta (Indústria 4.0) em 2011, embora tenham características divergentes em aspectos como a recente tendência de fabricação autônoma, a utilização e a criação de novas tecnologias de manufatura sustentável se tornaram a principal esperança da humanidade no enfrentamento dos problemas ambientais e produtivos. 

Por isso, nesse contexto, cria-se o conceito da manufatura aditiva o qual coincide com a idealização das primeiras impressoras tridimensionais, isto é, máquinas responsáveis pela construção de modelos em três dimensões de maneira personalizada. 

Com essa proposta, no Instituto de Pesquisas de Nagoya no Japão em 1980, o pesquisador Hideo Kodama buscou concretizar a impressão 3D de um objeto a partir de um polímero fotoendurecido, ou seja, um insumo orgânico solidificado por meio de raios luminosos. Apesar dos esforços, Kodama não conseguiu atingir o seu objetivo principal na tentativa de viabilizar uma inédita máquina no mercado.

Entretanto, apenas no período de 1984 a 1988, com as contribuições do cofundador da 3D Systems, empresa pioneira no setor de manufatura aditiva, e inventor americano Charles W. Hull, viabilizou-se a construção da primeira impressora tridimensional da história: a SLA-1.

Além disso, devido à ascensão e popularização dos softwares de desenho digital em três dimensões, a invenção de Hull também contava com a leitura de arquivos STL (Standard Tessellation Language ou Linguagem de Mosaico Padrão, em português).
Fonte: 3D Printing Industry[1]

Cabe mencionar que a utilização de arquivos no padrão STL, tornou-se um dos pontos mais relevantes para a consolidação da manufatura aditiva na contemporaneidade. Sendo assim, devido ao reconhecimento de todas as camadas e pontos estruturais de uma peça, definidos anteriormente na etapa dos esboços 3D, pelo próprio formato do documento, a máquina de impressão é capaz de converter essas informações em material adicionado.

Para a fase seguinte, com o término da modelagem digital do objeto a ser impresso, transfere-se o arquivo para a máquina com a predefinição de alguns parâmetros operacionais programáveis como a velocidade de impressão.

Em detalhes, o processo construtivo ocorre por meio do fatiamento das camadas estruturais do componente, as quais são impressas de modo sequencial ao longo do eixo vertical. Representativamente, apresenta-se a Figura 2:
Figura 2: Processo construtivo de uma impressora 3D | Fonte: Mousta[2]

Desta forma, torna-se possível a construção autônoma de um protótipo que, posteriormente, deve ser submetido à etapa de pós-processamento a qual engloba algumas atividades como: a retirada de suportes (material extra adicionado automaticamente em geometrias complexas), a limpeza e a averiguação de dimensões, imperfeições e propriedades físico-químicas da peça. Portanto, finaliza-se a execução de todos os processos da manufatura aditiva proposta por Charles.

Figura 3: Etapas da Manufatura Aditiva | Fonte: Linkedin[3]

Na década de 90, mais especificamente em 1999, o cientista e médico Anthony Atala entrou para a história da manufatura aditiva ao correlacionar o princípio das impressões tridimensionais às novas tendências da área da saúde.

Nessa perspectiva, seus estudos inauguraram o uso de impressoras 3D para a construção artificial de órgãos biocompatíveis com chances praticamente nulas de rejeição. Como resultado, Atala foi capaz de imprimir o primeiro órgão funcional produzido em laboratório e implantado em um ser humano com o uso das próprias células do paciente. 

Apenas 9 anos mais tarde, a medicina, mais uma vez, destacou-se no cenário global a respeito do tema com a produção da primeira prótese impressa em 3D, a qual revolucionou completamente as tecnologias de suporte a traumas ao garantir a personalização das necessidades dos pacientes.

Nos últimos anos até os dias atuais, nota-se que o impacto da implementação da manufatura aditiva em processos humanos não se restringe somente ao setor de ciências da saúde. Pelo contrário, a diversidade de aplicações desse método é tamanha que se tornou praticamente impossível mensurar toda a sua versatilidade nas áreas do conhecimento humano.

Como exemplo, mais recentemente em 2018, o setor da construção civil ingressou nesse mercado com a primeira casa impressa em 3D. Em detalhes, a estrutura ecológica possui 98 metros quadrados e foi construída em apenas 10 dias com materiais naturais, tais como os restos de produção de arroz.

Figura 4: Casa impressa em 3D | Fonte: Minuto Engenharia[4]

Indústria 4.0 e impacto energético da Manufatura Aditiva: projeções de um futuro promissor.

No contexto da Indústria 4.0, as noções de desenvolvimento econômico e tecnológico passaram a ser intimamente relacionadas ao quão sustentáveis são os meios de produção contemporâneos. 

De acordo com dados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o número de empresas nacionais que publicaram um relatório de sustentabilidade, em 2022, cresceu em significativos 3,8% com base no ano anterior. Além disso, dos mais de 230 empreendimentos entrevistados que divulgaram o relatório, 86,5% investiram no mercado de inovação[5].

Atualmente, empresas que desejam se destacar no mercado e conquistar possíveis consumidores devem buscar investimentos para amenizar prejuízos ao meio ambiente. Prova dessa tendência de mudança nos padrões de consumo, em pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), está no fato de que aproximadamente 75% dos brasileiros prefere comprar de empresas que investem em projetos sociais ou ambientais[6]

Dessa forma, é notável que a busca por meios de produção sustentáveis apresenta um impacto direto no cenário econômico global ao alinhar os interesses dos consumidores e empresas. Por isso, inovações que garantem fatores como: a redução de gastos energéticos, automação de processos e otimização de tempo de produção são altamente valorizadas no mercado. 

    Figura 5: Urbee 1 da Kor Ecologic | Fonte: Autoesporte[8]

    Nessa premissa, devido a sua alta precisão aditiva, as impressões 3D surgem como uma alternativa em potencial para a redução da quantidade de matéria-prima utilizada, redução da necessidade de processos de fabricação intensivos em energia, além da minimização de desperdícios e poluentes. 

    Em números, os pesquisadores Despeisse e Ford[7] afirmam que o uso da manufatura aditiva pode promover uma economia de mais de US$60 bilhões, até 2025, nas fases de produção e uso de recursos.

    No contexto da Engenharia Mecânica, por exemplo, pode-se citar a impressão tridimensional do Urbee 1 no ano de 2013, o primeiro automóvel com carenagem impressa em 3D com plástico ABS. Sobre sua invenção, o engenheiro Jim Kor, em entrevista ao programa televisivo Autoesporte[8], destaca a leveza e a economia energética do projeto, comprovadas em testes, na obtenção de um consumo médio de incríveis 100 km/l e de uma massa total de apenas 544 kg.

      Com relação às emissões de carbono, devido à possibilidade e à facilidade de otimização do design de componentes pela impressão 3D, nota-se o poder da manufatura aditiva em reduzí-las.

      Como exemplo, a empresa sueca Siemens Energy, com uma das maiores unidades produtivas de impressão tridimensional metálica do mundo, conseguiu imprimir um queimador a gás em uma única peça, o que antes exigia, convencionalmente, a montagem de 13 componentes distintos. Nesse sentido, uma imagem do resultado obtido pode ser vista a seguir:

      Figura 6: Cabeça de queimador impressa em 3D | Fonte: FacFox[9]

      Na prática, esses queimadores a gás foram impressos com o propósito de realizar um controle eficiente da combustão em turbinas industriais. Ademais, a aplicação do mecanismo é diversa por este ser encontrado nas indústrias química, alimentícia e metalúrgica em processos que exigem aquecimento, como a secagem e o tratamento térmico de materiais.

      Em decorrência do design otimizado, a estrutura impressa se tornou mais eficiente ao reduzir a quantidade de carbono envolvida durante o processo produtivo. Nesse sentido, Karsten Heuser, o vice-presidente da Siemens, afirma que até 80% do impacto ambiental é determinado pelo design dos produtos e por isso acredita na importância de se investir nesse método.

      Além disso, outro ponto positivo da manufatura aditiva, é a versatilidade dos insumos utilizados para a criação de protótipos como metais, cerâmicas, polímeros compostos ou plásticos. No caso dos plásticos, existem opções biodegradáveis como o PLA que é derivado de recursos naturais como amido de milho e raízes. 

      Em alguns casos, até mesmo materiais descartáveis como garrafas PET, após um tratamento adequado, podem ser usados como insumo para a impressão 3D, além de promover o processo de reciclagem.

      Mundialmente, esses e outros benefícios da manufatura aditiva foram refletidos em uma taxa de crescimento anual do mercado acima de 20%. Segundo uma pesquisa realizada pela SmarTech Analysis[10], a expectativa é que o mercado alcance um valor de aproximadamente US$42 bilhões até 2027, embora atualmente este seja avaliado em pouco mais de US$28 bilhões, conforme observado no gráfico.

      Figura 7: Crescimento da Manufatura Aditiva total e por setor | Fonte: SmarTech Analysis[10]

      Em adição, destaca-se que nem mesmo no cenário de caráter recessivo para a economia global, o qual foi a Pandemia de Covid-19 durante os anos de 2019 a 2022, o mercado das impressoras tridimensionais apresentou retrocesso. Em detalhes, de acordo com a pesquisa realizada pela Makerbot[11], por mais que esse período tenha impactado os negócios de quase 70% dos entrevistados, mais de 50% deles mantiveram seus interesses de investimento em manufatura aditiva.

      Cabe mencionar que o mercado de manufatura aditiva, em pesquisa de 2018 da empresa Statisa[12], é dominado pelos Estados Unidos com mais de 422.000 unidades implantadas e com uma participação global de aproximadamente 40%. Em seguida, como observado no gráfico a seguir, pode-se citar as regiões Europeia e Asiática, como referências e líderes de crescimento no setor, com um domínio conjunto que supera os 38% em representatividade internacional.

      Figura 8: Gráfico da taxa mundial de implementação da Manufatura Aditiva | Fonte: Statisa[12]

      Sobre a participação nacional, o Brasil se enquadra em um cenário regular e enfrenta dificuldades econômicas para a popularização e uso das impressoras 3D em seus métodos produtivos, embora apresente um crescimento de 24,1% ao ano, de acordo com a empresa 3D Lab[13].

      De fato, ao considerar todo esse cenário e as tendências de inovação contemporâneas, é natural que a manufatura aditiva tenha um futuro promissor em discussões sobre métodos produtivos. Isso porque, se nós, enquanto responsáveis diretos pela construção dos novos paradigmas sociais, quisermos uma sociedade mais eficiente, sustentável e tecnológica, devemos transformar as nossas relações com o meio ambiente por meio inovações, como as impressões 3D, pois afinal, são elas que determinam os próximos passos da humanidade rumo ao desenvolvimento.

      Referências:

      [1] PETCH, M. The State of resin 3D printing: Dr. Edwin Hortelano, SVP, Materials Engineering and Development, 3D SYSTEMS. Disponível em: <https://3dprintingindustry.com/news/the-state-of-resin-3d-printing-dr-edwin-hortelano-svp-materials-engineering-and-development-3d-systems-203660/>;

      [2 MOUSTA. O que é impressão 3D? Guia definitivo. Disponível em: <https://www.mousta.com.br/o-que-e-impressao-3d/>;

      [3] SALDANHA, L. Etapas do Processo de Manufatura Aditiva. Disponível em:<https://www.linkedin.com/pulse/etapas-do-processo-de-manufatura-aditiva-luan-saldanha/>;

      [4] MINUTO ENGENHARIA. Veja como são as casas construídas com impressão 3D. Disponível em:<http://www.minutoengenharia.com.br/postagens/2020/08/27/veja-como-sao-as-casas-construidas-com-impressao-3d/>;

      [5] VALOR ECONÔMICO. Empresas que publicaram relatório de sustentabilidade cresceram para 15,8% em 2022, diz IBGE. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/03/20/empresas-que-publicaram-relatorio-de-sustentabilidade-cresceram-para-158percent-em-2022-diz-ibge.ghtml.>;

      [6] GRUPO MB. Empresas sustentáveis são preferência do cliente. Disponível em:<https://grupomb.ind.br/empresas-sustentaveis/#:~:text=Atualmente%2C%2075%25%20dos%20brasileiros%20prefere,ao%20Crédito%20(SPC%20Brasil)>;

      [7] DESPEISSE M.; FORD S. Additive manufacturing and sustainability: an exploratory study of the advantages and challenges, Journal of Cleaner Production, Volume 137, 2016, p. 1573-1587, ISSN 0959-6526. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.04.150>;

      [8] AUTOESPORTE. Urbee é carro impresso em 3D que roda 100 km com 1 litro de combustível. Disponível em:<https://autoesporte.globo.com/carros/noticia/2014/02/urbee-e-carro-impresso-em-3d-que-roda-100-km-com-1-litro-de-combustivel.ghtml>;

      [9] FACFOX. 3 D Impressão: Criando a turbina a gás para serviço pesado mais eficiente do mundo 9 HA. Disponível em: <http://m.pt.insta3dm.com/news/3d-printing-creating-the-world-s-most-efficie-33663081.html>;

      [10] SMARTECH ANALYSIS. 3D Printed Electronics 2023: Market Study & Forecast. Disponível em: <https://additivemanufacturingresearch.com/reports/3d-printed-electronics-2023-market-study-forecast/>;

      [11] MAKERBOT. MakerBot Additive Impact 2021 3D Printing Conference. Disponível em:<https://www.makerbot.com/stories/makerbot-additive-impact-2021-3d-printing-conference/>;

      [12] STATISA. Global 3D printing market share by country, 2018. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/800356/worldwide-3d-printing-market-by-country/>;

      [13] 3DLAB. O mercado de impressão 3D e como as empresas precisam se preparar! Disponível em <https://3dlab.com.br/o-mercado-de-impressao-3d/>;

      Autor:

      Wagner André Gambi Orlando, bolsista Fundação Araucária de Iniciação Tecnológica do NAPI EZC, sob a orientação do Prof. Dr. Gustavo Sanguino Dias, docente do DFI/UEM.

      Essa pesquisa
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