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Avanços em Células Solares Baseadas em Perovskitas: Estrutura, Eficiência e Desafios Comerciais

Arthur Bassi

RESUMO

O cenário energético global passa por uma transformação impulsionada pela busca de fontes limpas e sustentáveis, com a energia solar fotovoltaica em posição de destaque. Neste contexto, as células solares de perovskita (PSCs) surgiram como uma das tecnologias mais promissoras, demonstrando um avanço em eficiência de conversão de energia sem precedentes na história da fotovoltaica. Este artigo apresenta uma revisão abrangente sobre as células solares baseadas em perovskitas, abordando desde a sua estrutura cristalina fundamental e propriedades optoeletrônicas até a evolução de sua eficiência. Adicionalmente, são discutidos os desafios críticos que ainda impedem sua comercialização em larga escala, como a instabilidade intrínseca e extrínseca. Por fim, explora-se o desenvolvimento das células solares em tandem de perovskita-silício, uma arquitetura inovadora que promete superar as limitações tanto das tecnologias de silício quanto das de perovskita, abrindo um novo horizonte para a geração de energia solar de alta eficiência e com potencial de baixo custo.

INTRODUÇÃO

A crescente demanda energética global, atrelada às urgentes preocupações com as mudanças climáticas e o esgotamento dos combustíveis fósseis, tem catalisado uma transição para fontes de energia renováveis. A energia solar fotovoltaica se destaca como uma das soluções mais viáveis e estratégicas, sendo uma fonte de energia limpa, abundante e com aplicabilidade versátil. Projeções da Agência Internacional de Energia (IEA) indicam que a energia fotovoltaica está a caminho de se tornar a principal fonte de geração de eletricidade mundial até 2035.

Nesse cenário de inovação, uma nova classe de materiais, as perovskitas, emergiu como um divisor de águas no campo da energia solar. Pertencentes à terceira geração de células solares, os dispositivos baseados em perovskitas têm demonstrado uma evolução tecnológica extraordinária. Desde as primeiras pesquisas, a eficiência de conversão de potência (PCE) das PSCs saltou de 3,8% em 2009 para valores certificados que ultrapassam 26% em células de junção única, e chega a mais de 34% em configurações tandem. Esse avanço notável, aliado ao baixo custo potencial de fabricação, posiciona as perovskitas como um forte candidato para revolucionar o mercado fotovoltaico.

2 A ESTRUTURA DA PEROVSKITA

O termo “perovskita” foi originalmente atribuído ao mineral óxido de titanato de cálcio (CaTiO₃), descoberto pelo cientista russo Gustav Rose e nomeado em homenagem ao mineralogista Lev Perovski. Hoje, a designação “perovskitas” engloba uma vasta família de compostos que compartilham a mesma estrutura cristalina do CaTiO₃ original.

A fórmula estequiométrica geral de uma perovskita é ABX₃. Nesta estrutura, ‘A’ e ‘B’ são cátions de tamanhos distintos, sendo o cátion ‘A’ tipicamente maior que o cátion ‘B’, e ‘X’ é um ânion. Na estrutura cúbica ideal, o cátion ‘B’ está no centro de um octaedro formado por seis ânions ‘X’, enquanto o cátion ‘A’ ocupa o espaço intersticial, coordenado por doze ânions ‘X’. A estabilidade desta estrutura cristalina é fortemente dependente dos raios iônicos dos seus constituintes, e qualquer desvio pode levar a distorções e à formação de outras fases cristalinas, como a tetragonal, ortorrômbica ou monoclínica.

Figura 1: Estrutura cristalina da perovskita CaTiO₃.

As perovskitas utilizadas em aplicações fotovoltaicas são majoritariamente as perovskitas de haletos metálicos híbridas (organometálicas). Nestes compostos, ‘A’ é um cátion orgânico, como o metilamônio (MA⁺) ou o formamidínio (FA⁺), ‘B’ é um cátion metálico, comumente o chumbo (Pb²⁺), e ‘X’ é um ânion haleto, como o iodo (I⁻), o bromo (Br⁻) ou o cloro (Cl⁻). Estas perovskitas híbridas possuem propriedades optoeletrônicas excepcionais, incluindo altos coeficientes de absorção de luz, longos comprimentos de difusão de portadores de carga e uma notável tolerância a defeitos.

Figura 2: Geração de eletricidade mundial no cenário de políticas declaradas, 2010-2035. Fonte: Adaptado de IEA (2024), World electricity generation in the Stated Policies Scenario, 2010-2035, IEA, Paris. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/world-electricity-generation-in-the-stated-policies-scenario-2010-2035

3 CÉLULAS SOLARES

De acordo com a Agência Internacional de Energia (IAE), o investimento em fontes de energia sustentáveis cresceu 40% desde 2020. Reduções nos custos da produção de células solares à base de silício asseguraram o uso da energia solar globalmente. É estimado pela IAE que, em meados de 2035, a energia solar fotovoltaica será a maior fonte geradora de energia global.

Liderando o crescimento da produção de energia limpa, as células solares se tornaram foco de estudos que visam tornar as previsões realidade. Existe grande oportunidade para tecnologias que ofereçam maior eficiência de conversão de energia ou, ainda, menor custo de manufatura.

Atualmente, o silício é o material padrão utilizado nos semicondutores de células solares convencionais, apresentando um preço de produção relativamente alto e uma eficiência de 15–27%. Na busca por opções mais eficientes e menos onerosas, as células à base de perovskitas (PSCs) destacam-se como potenciais substitutas.

4 CÉLULAS SOLARES DE PEROVSKITA (PSCs)

As células solares de perovskita (PSCs) se destacam como uma alternativa promissora às células solares de silício que, apesar de dominarem o mercado, possuem custos de produção relativamente altos e uma eficiência que se aproxima de seu limite teórico. As PSCs oferecem a perspectiva de alta eficiência com custos de manufatura potencialmente mais baixos.

4.1 FUNCIONAMENTO DA CÉLULA SOLAR DE PEROVSKITA

Uma célula solar de perovskita típica é composta por uma série de camadas finas depositadas sobre um substrato, geralmente de vidro. O coração do dispositivo é a camada de perovskita, que atua como material absorvedor de luz. O processo de conversão de luz em eletricidade ocorre em três etapas principais:

Absorção da Luz: a luz solar incide sobre a célula e é absorvida pela camada de perovskita, gerando pares de elétron-lacuna.

Separação e Transporte de Cargas: os éxcitons são rapidamente separados em elétrons (cargas negativas) e lacunas (cargas positivas). Os elétrons são injetados em uma camada transportadora de elétrons (ETL, do inglês Electron Transport Layer), enquanto as lacunas são transferidas para uma camada transportadora de lacunas (HTL, do inglês Hole Transport Layer). A ETL e a HTL são projetadas para transportar seletivamente um tipo de carga e bloquear o outro, minimizando a recombinação de cargas.

Geração de Corrente: os elétrons e as lacunas são coletados nos eletrodos da célula (cátodo e ânodo, respectivamente), gerando uma diferença de potencial e, consequentemente, uma corrente elétrica que pode ser utilizada para alimentar dispositivos.

5 DESAFIOS PARA A COMERCIALIZAÇÃO

Apesar do sucesso em escala laboratorial, a transição das PSCs para o mercado comercial enfrenta barreiras significativas. Os principais desafios incluem a estabilidade a longo prazo, a escalabilidade da produção e a toxicidade do chumbo.

5.1 INSTABILIDADE E DEGRADAÇÃO

A estabilidade é o maior obstáculo para a comercialização das PSCs. A degradação do material perovskita pode ser induzida por fatores extrínsecos (ambientais) e intrínsecos (inerentes ao material).

Fatores Extrínsecos: a exposição à umidade, oxigênio, luz UV e altas temperaturas pode levar à decomposição da estrutura da perovskita, resultando em uma rápida perda de eficiência. A umidade, em particular, pode causar a hidratação da perovskita, um processo que pode ser reversível, mas que compromete a integridade estrutural do filme.

Fatores Intrínsecos: a própria natureza iônica e a baixa energia de formação das perovskitas híbridas as tornam suscetíveis à migração de íons sob a influência de campos elétricos e gradientes térmicos. Esse fenômeno pode levar à degradação do material e à histerese na curva de corrente-voltagem do dispositivo.

Figura 3: Diagrama esquemático do funcionamento de uma célula solar de perovskita (PSC), mostrando a absorção da luz, separação de cargas e geração de corrente. Fonte: Alexandre Affonso, Revista Pesquisa FAPESP.

5.2 ESCALABILIDADE E CUSTO

Muitos dos recordes de eficiência das PSCs foram alcançados em células de área muito pequena, utilizando métodos de deposição como o spin coating, que não são facilmente escaláveis para a produção de módulos de grande área. O desenvolvimento de técnicas de fabricação escaláveis, como a impressão roll-to-roll e a deposição por spray, é crucial para a viabilidade comercial.

5.3 TOXICIDADE DO CHUMBO

A presença de chumbo, um metal pesado tóxico, nas formulações de perovskita mais eficientes é uma grande preocupação ambiental e de saúde pública. Embora a quantidade de chumbo em uma célula solar seja pequena, o potencial de lixiviação para o meio ambiente em caso de dano ao módulo é um risco que precisa ser mitigado. Pesquisas intensas estão em andamento para desenvolver perovskitas sem chumbo, substituindo-o por elementos menos tóxicos como o estanho (Sn) e o bismuto (Bi), embora estes materiais ainda apresentem desafios de estabilidade e eficiência.

6 CÉLULAS SOLARES EM TANDEM: O FUTURO DA FOTOVOLTAICA

Para contornar os desafios das PSCs e, ao mesmo tempo, superar os limites da tecnologia de silício, a comunidade científica tem investido massivamente no desenvolvimento de células solares em tandem (ou multijunção). A abordagem mais promissora é a combinação de uma célula de perovskita com uma célula de silício (Figura 3).

Nesta arquitetura, a célula de perovskita, com seu bandgap mais largo, é colocada no topo para absorver os fótons de alta energia (luz azul e verde) do espectro solar, enquanto a célula de silício, posicionada abaixo, absorve os fótons de menor energia (luz vermelha e infravermelha) que atravessam a camada superior. Essa utilização mais eficiente do espectro solar permite que as células em tandem alcancem eficiências teóricas e práticas significativamente mais altas do que as células de junção única.

As células em tandem de perovskita-silício já demonstraram eficiências certificadas que ultrapassam 34%, superando o recorde de eficiência para células de silício convencionais. Além da eficiência superior, essa configuração se beneficia da estabilidade comprovada da célula de silício, que atua como um substrato robusto, e das técnicas de encapsulamento já estabelecidas na indústria de silício, que ajudam a proteger a camada de perovskita da degradação ambiental. O progresso nesta área é rápido, e empresas como a Oxford PV já anunciaram a produção das primeiras células tandem em linha de fabricação, com eficiências que se aproximam dos 30%.

Figura 4: Estrutura de uma célula solar em tandem de perovskita-silício.

7 CONCLUSÃO

As células solares de perovskita representam um avanço monumental na tecnologia fotovoltaica, oferecendo um caminho para uma energia solar de baixo custo e altíssima eficiência. Embora desafios significativos relacionados à estabilidade a longo prazo e à escalabilidade da produção ainda precisem ser superados para uma adoção comercial em massa, a velocidade do progresso na área é inegável.

A tecnologia de células solares em tandem de perovskita-silício surge como a solução mais promissora a curto e médio prazo, combinando o melhor dos dois mundos: a eficiência de absorção de luz da perovskita e a estabilidade e maturidade industrial do silício. Ao superar os limites de eficiência das células de junção única, as células em tandem têm o potencial de acelerar ainda mais a transição energética global para um futuro mais limpo e sustentável, tornando a energia solar mais acessível e eficiente do que nunca.

A continuidade da pesquisa e do desenvolvimento em engenharia de materiais, encapsulamento e processos de fabricação em larga escala será fundamental para transformar essa promessa em realidade.

REFERÊNCIAS

[1] Arya, Sandeep, et al. A comprehensive review on synthesis and applications of single crystal perovskite halides. Progress in Solid State Chemistry, vol. 60, 2020, p. 100286.

[2] Iftikhar, Faiza, et al. Structural and optoelectronic properties of hybrid halide perovskites for solar cells. Organic Electronics, vol. 91, 2021, p. 106077.

[3] Peplow, Mark. The race to commercialize perovskite solar cells. Nature, vol. 623, 2023, pp. 684–687.

[4] Taame, Berhe, et al. Organometal Halide Perovskite Solar Cells: Degradation and Stability. Energy & Environmental Science, vol. 9, 2016, pp. 1654–1679.

[5] Wali, Qamar, et al. Tandem perovskite solar cells. Renewable and Sustainable Energy Reviews, vol. 84, 2018, pp. 89–105.

[6] Raphael, E., et al. Células Solares de Perovskitas: Uma Nova Tecnologia Emergente. Química Nova, vol. 41, no. 1, 2018, pp. 61–74.

[7] IEA (2024). World electricity generation in the Stated Policies Scenario, 2010–2035. IEA, Paris. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/world-electricity-generation-in-the-stated-policies-scenario-2010-2035
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Autores:

Arthur Bassi, realizada pesquisa sob orientação do prof. dr Luiz Gustavo Davanse

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