Desenvolvimento de equipamentos para medição e aplicação do efeito torsiocalórico

Edson Aparecido Domingues Junior, Vitorio Lavagnoli Neto, Erik Oda Usuda, Flávio Clareth Colman e Cleber Santiago Alves

RESUMO

Este trabalho apresenta o desenvolvimento conceitual de um refrigerador torsiocalórico e a construção de uma bancada experimental para medições diretas de torque, deslocamento angular e variação de temperatura em materiais refrigerantes em estado sólido (RES). A metodologia sistemática de Pahl & Beitz foi adotada para guiar o projeto, garantindo integração entre os sistemas mecânicos, estruturais e de controle, além de atender a critérios de funcionalidade, viabilidade construtiva, segurança e escalabilidade. A bancada experimental demonstrou precisão no controle de torque e deslocamento, permitindo a avaliação do efeito torsiocalórico, comportamento à fadiga, treinamento mecânico e reversibilidade calórica dos materiais testados. O conceito de refrigerador torsiocalórico evidencia a viabilidade de desenvolvimento de sistemas compactos, modulares e confiáveis, com potencial para aplicações residenciais e laboratoriais. Os resultados indicam que a abordagem adotada é adequada para avançar na caracterização e otimização de RES, fornecendo uma base sólida para futuros protótipos funcionais e implementação de tecnologias de refrigeração sustentável. Detalhes adicionais do projeto permanecem em processo de patente.

Palavras chave: efeito torsiocalórico; bancada experimental; refrigerador torsiocalórico.

INTRODUÇÃO

Os sistemas de refrigeração convencionais baseiam-se na compressão e expansão de fluidos refrigerantes, tecnologia já madura, mas com eficiência inferior a 60% (Cazorla, 2019) . Durante décadas, compostos como CFCs e HCFCs foram amplamente utilizados devido às suas propriedades termofísicas favoráveis, mas sua aplicação provocou sérios impactos ambientais, como a destruição da camada de ozônio e contribuição para o aquecimento global (Coulomb, 2006). Embora os HFCs tenham surgido como alternativa, seu elevado Potencial de Aquecimento Global (GWP) motivou a inclusão desses compostos na emenda de Kigali (2016), que prevê sua substituição gradual — processo ratificado pelo Brasil em 2022.

Esse cenário configura um paradoxo: o aumento da temperatura global intensifica a demanda por refrigeração, ao mesmo tempo em que os sistemas atuais dependem de agentes nocivos ao meio ambiente. Assim, cresce o interesse por tecnologias alternativas de estado sólido, conhecidas como sistemas calóricos, que dispensam fluidos refrigerantes (Moya et al., 2015). Nesses sistemas, a resposta térmica a um campo externo pode ser expressa por variações adiabáticas de temperatura ou isotérmicas de entropia ΔST\Delta S_T . Dependendo do campo aplicado, classificam-se como magnetocalórico, eletrocalórico ou mecanocalórico — este último subdividido em elastocalórico (tensão uniaxial), barocalórico (tensão isostática) e torsiocalórico (torção simples) (Colman et al., 2023).

O efeito torsiocalórico (σt–EC) tem se mostrado particularmente promissor em materiais poliméricos e ligas de memória de forma. Para sua verificação, os sistemas atuais utilizam câmeras térmicas para registrar as temperaturas desenvolvidas na superfície dos materiais em função do tempo. Em fios de BN submetidos a 300% de deformação isométrica, foram reportadas variações médias de temperatura na superfície (ΔTmed) medide até +7,7 K no estágio de superenrolamento. Já para 100% de deformação isométrica, observou-se um resfriamento de –12,4 K durante o alívio da torção. Em fibras de polietileno, variações máximas de temperatura na superfície (ΔTmax) de –5,1 K foram associadas à transição ortorrômbica–monoclínica induzida pela torção, ao se liberar 22,7% da deformação aplicada. Para fios de nylon 6 (enrolados e com índice de mola igual a 2), arranjos homoquirais e heteroquirais exibiram respostas distintas: nos fios heteroquirais, observou-se um efeito torsiocalórico inverso, com (ΔTmax) de −0,6 K (resfriamento) no alívio e +0,5 K (aquecimento) durante a torção. Como comparação, em arranjos homoquirais sob as mesmas condições, registraram-se valores de +0,8 K (aquecimento) durante a torção e −0,6 K (resfriamento) no alívio (Wang et al., 2019).

Entre os polímeros, o PVDF apresentou efeito torsiocalórico associado a alterações em sua estrutura cristalina durante a inserção e remoção da torção. Foi observada uma transformação reversível da fase monoclínica (γ) para a ortorrômbica (β), considerada a principal origem do resfriamento registrado. Além disso, os autores relatam que tratamentos térmicos de recozimento favorecem a formação da fase β, aumentando a estabilidade cristalina e, consequentemente, a magnitude da resposta torsiocalórica. Em fios de PVDF com 0,33 mm de diâmetro, submetidos a ciclos de carga/alívio de torção, verificou-se as (ΔTmax) /(ΔTmed) para uma densidade de enrolamento de 5 voltas·cm⁻¹ de +3,5 K/+2,6 K (aquecimento) e −1,0 K/−0,7 K (resfriamento), respectivamente (Wang et al., 2021).

Estudos recentes em fibras de TPE com diâmetro médio de aproximadamente 100 μm foram agrupadas para a formação de fios com diâmetro equivalente de 3 mm e comprimento útil de 80 mm. Nestes fios, foi inserida uma densidade de torção de 4 voltas·cm⁻¹. Observou-se que, após a aplicação da torção, o fio adquire uma configuração espiralada periódica, apresentando variação térmica significativa, com aquecimento de cerca de 10 K e resfriamento de aproximadamente 7 K em um único ciclo (Mei et al., 2023)

Uma das principais vantagens do efeito torsiocalórico é que ele requer deformações menores do que outros efeitos, como o elastocalórico, para atingir magnitudes comparáveis. Essa característica possibilita o desenvolvimento de sistemas de refrigeração compactos, adequados para aplicações residenciais e em escritórios. 

Diante do exposto, neste trabalho foi desenvolvido um equipamento para a realização de medições diretas de temperatura na superfície dos materiais, bem como a concepção de um projeto conceitual para a aplicação de torque em múltiplos fios, visando sistemas de refrigeração torsiocalórica.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do projeto conceitual do refrigerador torsiocalórico e da bancada destinada à medição direta do efeito torsiocalórico, foi adotada a metodologia sistemática de desenvolvimento de produtos de Pahl e Beitz. Essa abordagem permite conduzir o processo de forma organizada, integrando aspectos técnicos, funcionais e de gestão. O desenvolvimento segue quatro etapas principais: projeto informacional, conceitual, preliminar e detalhado. Na fase inicial, o projeto informacional, são identificadas e estruturadas as necessidades do sistema, resultando na definição dos requisitos que orientarão todo o desenvolvimento.

O projeto conceitual, etapa central do método, envolve a criação da concepção básica do produto ou equipamento. Nessa fase, a função global é decomposta em subfunções, exploram-se princípios de solução possíveis e geram-se alternativas, que são avaliadas com base em critérios como desempenho, facilidade de operação, segurança, ergonomia, viabilidade de fabricação, custos e sustentabilidade. Ao adotar essa metodologia, o desenvolvimento tanto do refrigerador quanto da bancada de medição direta é conduzido de forma sistemática, reduzindo erros em etapas posteriores, otimizando o uso de recursos e garantindo maior confiabilidade e eficiência nos projetos.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta os principais componentes da máquina, juntamente com suas especificações básicas. Os motores de passo (1) e (2) são idênticos (AK85H, Akiyama Motors), cada um alimentado por uma fonte de energia própria e controlado por drivers específicos da Applied Motion Products. Apesar de os drivers serem modelos diferentes, suas especificações permitem operação em microstepping. Neste arranjo, o modelo ST10-Si controla o motor de passo 1 (primário), enquanto o ST10-plus controla o motor de passo 2 (secundário).

Para a medição do torque aplicado à amostra, a parte A da máquina está equipada com um transdutor de torque (3), modelo T22/10NM da HBM, com capacidade máxima de 10 N·m. Os eixos do motor de passo 1, do transdutor de torque e do mandril (4) são conectados por acoplamentos do tipo fole de aço, que permitem pequenas compensações axiais e angulares, essenciais para prevenir danos aos componentes e reduzir o torque residual no sistema.

Na parte B, o mandril (5) está montado sobre trilhos lineares, sendo acionado por um fuso (6) conectado ao motor 2. Um acoplamento flexível entre o fuso e o eixo do motor de passo 2 corrige desalinhamentos e amortece vibrações durante o movimento. O controle e a automação do sistema são realizados por microcontroladores Arduino, que enviam comandos aos drivers de passo e recebem sinais do transdutor de torque e do termopar em contato com a amostra. A comunicação entre o Arduino e o computador, via interface serial, permite tanto a aquisição de dados quanto a execução de comandos.

As medições de temperatura são realizadas em tempo real por um termopar tipo K em contato direto com a amostra, possibilitando o monitoramento contínuo das variações de temperatura durante os ensaios. O sinal do termopar é amplificado e processado por um circuito integrado MAX6675, conectado ao Arduino responsável pela leitura e registro dos dados. Uma foto da bancada experimental pode ser visualizada na Figura 2.

Figura 1 – Modelo esquemático do dispositivo torsiocalórico

Para os testes do dispositivo torsiocalórico, foi utilizado um polímero rígido (polietileno de alta densidade, HDPE)). O HDPE foi fornecido pela empresa Plastim na forma de um cilindro longo com 12 mm de diâmetro, que foi posteriormente cortado em comprimentos de 66 mm para formar as amostras de teste. 

Figura 2 – Ensaio de fadiga em frequências de 0,4 Hz (laranja) e 1,4 Hz (azul) ao longo de 100 ciclos para HDPE. Dados de deslocamento angular (a), torque (b) e temperatura (c) em função do tempo (Usuda et al., 2025).

A Figura 2 apresenta 100 ciclos de carregamento e descarregamento rápido por torção, realizados em duas frequências, 0,4 Hz e 1,4 Hz. Durante esses ensaios, a amostra é submetida a torção rápida a uma velocidade de 100º/s até atingir um torque previamente definido. Em seguida, o torque é mantido constante por um curto período. Após esse intervalo, a torção é revertida na mesma velocidade (100º/s), seguida novamente do período de manutenção com torque controlado (sendo o ponto de ajuste o torque inicial ou zero). Esse procedimento constitui um ciclo completo. Tal protocolo é fundamental para “treinar” o material e avaliar seu comportamento frente à fadiga. As Figuras 2(a) e 2(b) apresentam, respectivamente, o deslocamento angular e o torque em função do tempo. A Figura 2(c) mostra a evolução da temperatura da amostra durante os ciclos, evidenciando aumento progressivo com a repetição da torção.

Na Figura 2(a), observa-se que a amplitude de deslocamento se mantém estável, com aumento linear a cada ciclo, consequência da deformação plástica, padrão repetido em ambas as frequências. Já na Figura 2(b), o torque se mantém constante ao longo de todos os ciclos, determinado pelo torque inicial e pelo ponto de ajuste, demonstrando que o equipamento consegue controlar com precisão o torque aplicado à amostra, mesmo na frequência mais elevada de 1,4 Hz. O dispositivo demonstrou a capacidade de medir torque, deslocamento angular e temperatura, oferecendo controle preciso sobre o torque ou deslocamento aplicado em diferentes velocidades. Essa flexibilidade permite a coleta de dados sobre torque versus deslocamento, variação adiabática de temperatura, comportamento à fadiga, treinamento mecânico e reversibilidade calórica.

A fase de projeto resultou na concepção de um regenerador torsiocalórico, cujo modelo geral é apresentado na Figura 3. O equipamento é constituído por um conjunto integrado de sistemas mecânicos e estruturais, destacando-se o sistema de transmissão de torque, a câmara torsiocalórica e os elementos de suporte e alinhamento.

O sistema de transmissão de torque é responsável por aplicar e controlar a carga mecânica de torção variável sobre os refrigerantes em estado sólido (RES) torsiocalóricos. Esse conjunto inclui motor, redutor e acoplamentos, garantindo a transmissão do torque de forma precisa e estável.

A câmara torsiocalórica foi projetada para alojar os RES, permitindo tanto a aplicação da torção quanto a eficiente interação com o fluido térmico de troca de calor. Seu projeto estrutural possibilita a circulação uniforme do fluido, otimizando a transferência térmica durante os ciclos de operação.

Os elementos de suporte estrutural asseguram o alinhamento correto do conjunto, aumentando a confiabilidade e estabilidade do sistema. Além disso, o arranjo modular da câmara facilita a substituição de componentes e a adaptação a diferentes configurações de RES, ampliando a versatilidade do equipamento.

A concepção do regenerador foi guiada pelo método sistemático de Pahl & Beitz, garantindo que os requisitos de funcionalidade, viabilidade de construção, segurança e escalabilidade fossem atendidos. Detalhes técnicos adicionais do projeto não são discutidos neste trabalho, uma vez que o equipamento está em processo de solicitação de patente.

Figura 3 – Projeto conceitual de refrigerador torsiocalórico de múltiplos fios de material polimérico

CONCLUSÃO

Neste trabalho, foi desenvolvido um conceito de refrigerador torsiocalórico e uma bancada experimental capaz de medir diretamente torque, deslocamento angular e variação de temperatura em materiais refrigerantes em estado sólido (RES). A aplicação da metodologia sistemática de Pahl & Beitz permitiu estruturar o projeto de forma integrada, considerando critérios de funcionalidade, viabilidade construtiva, segurança e escalabilidade.

A bancada experimental demonstrou a capacidade de controlar com precisão o torque e o deslocamento aplicado, possibilitando a avaliação do efeito torsiocalórico, comportamento à fadiga, treinamento mecânico e reversibilidade calórica dos materiais testados. Paralelamente, o conceito do refrigerador torsiocalórico mostra que é viável o desenvolvimento de sistemas compactos de refrigeração, com potencial para aplicações residenciais ou laboratoriais.

O projeto enfatiza a modularidade, confiabilidade e eficiência do sistema, garantindo facilidade de manutenção e adaptação a diferentes configurações de RES. Detalhes adicionais permanecem protegidos em processo de patente, assegurando a inovação tecnológica apresentada. Os resultados obtidos validam a abordagem adotada e abrem caminhos para futuras implementações experimentais e desenvolvimento de protótipos funcionais.

REFERÊNCIAS

Cazorla, C. (2019). Novel mechanocaloric materials for solid-state cooling applications. Applied Physics Reviews, 6(4), 041316–16. https://doi.org/10.1063/1.5113620
Colman, F. C., da Silva, N. D. P., Imamura, W., Usuda, E. O., Moro, F. R., Carvalho, A. M. G., Alves, C. S., Trevizoli, P. V., de Cássia Colman Simões, R., de Oliveira, J. C. D., Favaro, S. L., Bocca, J. R., & Radovanovic, E. (2023). On the mechanocaloric effect of natural graphite/thermoplastic polyurethane composites. Journal of Materials Science, 58(27), 11029–11043. https://doi.org/10.1007/s10853-023-08700-3
Coulomb, D. (2006). Refrigeration: the Challenges associated with Sustainable Development. Interlinked Challenges, Interlinked Solutions: Ozone Protection and Climate Change, 12, 12–14.
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Moya, X., Defay, E., Heine, V., & Mathur, N. D. (2015). Too cool to work. Nature Physics, 11(3), 202–205. https://doi.org/10.1038/nphys3271
Usuda, E., Colman, F. C., Silva, C. C. de S., Imamura, W., Bona, T. H. de, Lima, O. A., Zanetti, M. H. K., Franchetti, L. J. C., Rosa, S. L. F., Otubo, J., Sakiyama, R. Z., Alves, C. S., Silva, R. A. G. da A. G., & Carvalho, A. M. G. (2025). Exploring Thermomechanical Properties Under Shear-Stress in Materials – A Device for Measuring the Torsiocaloric Effect. Measurement Science and Technology. https://doi.org/10.1088/1361-6501/ADF298
Wang, R., Fang, S., Xiao, Y., Gao, E., Jiang, N., Li, Y., Mou, L., Shen, Y., Zhao, W., Li, S., Fonseca, A. F., Galvão, D. S., Chen, M., He, W., Yu, K., Lu, H., Wang, X., Qian, D., Aliev, A. E., … Baughman, R. H. (2019). Torsional refrigeration by twisted, coiled, and supercoiled fibers. Science, 366(6462), 216–221. https://doi.org/10.1126/science.aax6182
Wang, R., Zhou, X., Wang, W., & Liu, Z. (2021). Twist-based cooling of polyvinylidene difluoride for mechanothermochromic fibers. Chemical Engineering Journal, 417, 128060. https://doi.org/10.1016/j.cej.2020.128060

Autores:

Edson Aparecido Domingues Junior (BIT/NAPI-EZC), Vitorio Lavagnoli Neto (BIT/NAPI-EZC), Erik Oda Usuda (Pesquisador GEMMAT), Flávio Clareth Colman (Pesquisador NAPI-EZC) e Cleber Santiago Alves (Pesquisador NAPI-EZC)

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