A busca por fontes de energia mais sustentáveis tem impulsionado o desenvolvimento de novas tecnologias para a conversão de energia solar. Nesse contexto, os materiais bidimensionais (2D) vêm despertando grande interesse devido às suas propriedades únicas e ao potencial para aplicações em dispositivos fotovoltaicos. Desde a descoberta do grafeno, uma ampla variedade de materiais 2D tem sido explorada, incluindo os dicalcogenetos de metais de transição (TMD’s), o fosforeno e as perovskitas 2D. Essas estruturas apresentam características notáveis, como alta absorção de luz e flexibilidade mecânica, tornando-se candidatas promissoras para a próxima geração de células solares. Além disso, estratégias como a intercalação química podem ser empregadas para modificar a estrutura dos TMD’s, ajustando a separação entre camadas e impactando a absorção de luz e o transporte de cargas, fatores cruciais para melhorar a eficiência das células solares.
Nos últimos anos, a integração de materiais 2D em dispositivos fotovoltaicos tem avançado significativamente. Pesquisas têm explorado suas propriedades e investigado diferentes formas de incorporá-los em células solares, superando desafios técnicos e aprimorando seu desempenho. Com os avanços contínuos nessa área, espera-se que esses materiais contribuam para o desenvolvimento de dispositivos solares mais eficientes e acessíveis, ampliando as possibilidades de uso da energia solar em larga escala. [1] [2] [3] [6] [13]
Os materiais 2D possuem uma estrutura cristalina única, composta por camadas atômicas fortemente ligadas por interações covalentes no plano e fracamente interligadas por forças de van der Waals no sentido perpendicular. Essa característica estrutural permite a fácil exfoliação mecânica desses materiais, resultando em monocamadas que apresentam propriedades distintas em relação às suas versões bulk.
O grafeno é um material constituído por átomos de carbono dispostos em uma rede hexagonal, formando uma estrutura semelhante a um favo de mel. Sua espessura em monocamadas permite uma alta flexibilidade , além de uma área superficial elevada. Essa configuração estrutural permite uma mobilidade eletrônica excepcional, tornando-o um dos materiais mais estudados para aplicações eletrônicas e optoeletrônicas.
Os TMD’s, como dissulfeto de tungstênio (WS2) e dissulfeto de molibdênio (MoS2), possuem uma estrutura lamelar composta por três camadas atômicas: uma camada central de um metal de transição (Mo, W) entre duas camadas de átomos de calcogênio (S, Se, Te). Cada camada é mantida unida por ligações covalentes fortes, enquanto a interação entre as camadas adjacentes ocorre por forças de van der Waals, permitindo a obtenção de monocamadas individuais. [2] [3] [4]
Grafeno
O grafeno é amplamente reconhecido por sua alta condutividade elétrica e transparência óptica superior a 97% na região visível, tornando-o uma excelente opção como eletrodo transparente em células solares. Além disso, sua flexibilidade mecânica facilita a integração em dispositivos fotovoltaicos flexíveis, ampliando suas possibilidades de aplicação. Além de atuar como eletrodo transparente, o grafeno pode servir como camada de transporte de carga e até mesmo como junção Schottky em células solares de silício. Para melhorar sua condutividade e reduzir a resistência de folha, técnicas de dopagem com AuCl₃ e TFSA têm sido exploradas, impactando diretamente na eficiência das células solares. [3] [4]
Dicalcogenetos de Metais de Transição (TMDs)
Os TMDs, como MoS₂, WS₂ e MoSe₂, possuem band gap direto ajustável entre 1-2 eV, tornando-os ideais para absorção eficiente de luz na região visível do espectro eletromagnético. Enquanto suas versões bulk apresentam band gap indireto, as monocamadas possuem band gap direto, o que melhora significativamente a geração de elétrons fotogerados e a eficiência no transporte de carga.
A vantagem do band gap direto em relação ao indireto está na eficiência da absorção de fótons e na geração de elétrons e buracos. Materiais com band gap direto permitem transições eletrônicas sem a necessidade de um fônon intermediário, aumentando a taxa de recombinação radiativa, essencial para dispositivos fotovoltaicos e emissores de luz. Em contrapartida, materiais com band gap indireto exigem um fônon para conservar o momento, reduzindo a eficiência na geração de portadores de carga úteis.
Além disso, os TMD’s apresentam forte interação luz-matéria, proporcionando alta absorção óptica por unidade de espessura e mobilidade eletrônica competitiva, favorecendo o transporte eficiente de cargas fotogeradas em dispositivos ultrafinos. Algumas técnicas, como dopagem eletrostática e por plasma, têm sido empregadas para modificar suas propriedades eletrônicas e aumentar a eficiência na conversão de energia.
A combinação de diferentes TMDs em heteroestruturas estende a absorção de luz para diversas faixas espectrais, maximizando o aproveitamento da luz solar. Alguns, como MoS₂ e WSe₂, também apresentam alta estabilidade química em diversas condições ambientais, aumentando a durabilidade e confiabilidade dos dispositivos fotovoltaicos. Além disso, os TMD’s podem ser utilizados como contatos metálicos em células solares, atuando como eletrodos transparentes e melhorando a eficiência na coleta de cargas. A integração com perovskitas, como o uso de MoS₂ nanoflocos, demonstrou aumento na extração de carga e redução da recombinação nas interfaces. [2] [3] [4] [6] [7] [8] [10] [13]
Fosforeno
O fosforeno apresenta band gap direto ajustável, variando de 0,3 eV (bulk) a 2 eV (monocamada), cobrindo desde o infravermelho próximo até a faixa visível do espectro solar. Essa característica permite o aproveitamento de uma ampla gama de comprimentos de onda, tornando-o particularmente eficiente em condições de baixa iluminação.
Com mobilidade de portadores superior a 1000 cm²/Vs, o fosforeno possibilita um transporte de carga altamente eficiente, reduzindo perdas resistivas. Além disso, sua anisotropia eletrônica e ótica permite um controle preciso das propriedades eletrônicas e fotônicas,ornando-o promissor para aplicações especializadas em células solares avançadas. [2] [3] [4]
Os materiais 2D têm propriedades únicas que os tornam altamente versáteis, sendo aplicáveis em diversas partes de células solares, desde a absorção de luz até o transporte de carga e a proteção contra fatores ambientais. Sua exploração contínua é essencial para o desenvolvimento de dispositivos fotovoltaicos mais eficientes e duráveis.
Arquiteturas de Células Solares Baseadas em Materiais 2D: Design e Desempenho
As células solares baseadas em materiais 2D podem ser projetadas em diversas arquiteturas, aproveitando as propriedades únicas desses materiais. As configurações mais exploradas incluem:
Junções de Schottky: Essa arquitetura utiliza a barreira de Schottky formada na interface entre o metal e o semicondutor 2D para criar um campo elétrico que separa os pares elétron-buraco gerados pela luz. Um exemplo notável é o uso de MoS₂ combinado com platina (Pt), que demonstrou alta eficiência na coleta de carga devido à redução de defeitos na interface. Esses dispositivos são simples de fabricar e apresentam boas perspectivas para sensores solares ultrafinos. Além disso, junções Schottky otimizadas, com escolha específica de metais, podem melhorar ainda mais a separação de cargas e reduzir a recombinação. [1] [2] [6]
Junções Homojuncionais: São baseadas na dopagem controlada para formar regiões p e n dentro do mesmo material 2D. No caso de WSe₂, é possível induzir dopagem tipo p ou n seletivamente, criando dispositivos homogêneos com alta uniformidade e eficiência. Essa abordagem permite maior controle sobre as características eletrônicas e é promissora para células solares compactas e estáveis. [1] [2]
Heteroestruturas 2D-2D: Heteroestruturas compostas por camadas diferentes de materiais 2D, como MoS₂/WSe₂, oferecem sinergias únicas. A combinação de suas bandas proibidas permite uma separação mais eficiente de portadores de carga, resultando em melhores desempenhos fotovoltaicos. Esses dispositivos também maximizam a captação de luz em várias faixas do espectro, utilizando a natureza complementar das propriedades ópticas e eletrônicas dos materiais. Além disso, o uso de espelhos metálicos na parte traseira de dispositivos baseados em WSe₂ pode aumentar a absorção de luz para mais de 90% devido ao efeito Fabry-Pérot. [1] [2] [6]
Heteroestruturas 2D-3D: Essa configuração integra materiais 2D, como o grafeno ou TMDs, com semicondutores convencionais como o silício. Por exemplo, células solares híbridas de silício com revestimento de grafeno têm demonstrado maior eficiência na coleta de cargas e maior resistência mecânica. Essas combinações aproveitam a robustez dos semicondutores tradicionais enquanto adicionam flexibilidade e propriedades avançadas dos materiais 2D. [1] [6]
Efeito Fotovoltaico em Massa: Algumas estruturas de materiais 2D, como o MoTe₂, apresentam efeitos fotovoltaicos únicos, gerando corrente elétrica mesmo sem a presença de uma junção p-n tradicional. Esse efeito surge devido à anisotropia eletrônica e aos efeitos de confinamento quântico em monocamadas, permitindo novas arquiteturas para dispositivos solares ultrafinos e inovadores. [1]
Cada tipo de arquitetura aborda desafios específicos da conversão fotovoltaica, como a separação e o transporte de cargas, ao mesmo tempo que maximiza a eficiência em diferentes condições ambientais e de iluminação.
Apesar do grande potencial dos materiais 2D para células solares, vários obstáculos ainda dificultam sua implementação em larga escala. A recombinação de portadores de carga, causada por defeitos intrínsecos e nas interfaces, é um dos maiores desafios, impactando negativamente a eficiência dos dispositivos. Técnicas como dopagem seletiva e o uso de selantes têm mostrado resultados promissores para mitigar esses efeitos.
A escalabilidade da produção também representa um desafio significativo. Produzir materiais 2D de alta qualidade envolve custos elevados e dificuldades de uniformidade. Embora métodos como a deposição química em fase vapor (CVD) sejam amplamente empregados, ainda é necessário um aprimoramento desses processos para garantir a viabilidade da produção em grande escala. Outro problema é a fixação do nível de Fermi nas interfaces metal-TMD, o que limita a eficiência da extração de carga, sendo a utilização de camadas passivantes, como MoOx, uma solução promissora para esse obstáculo.
A degradação rápida de materiais como o fosforeno na presença de oxigênio e umidade também compromete a estabilidade dos dispositivos. Para mitigar esse problema, técnicas avançadas de encapsulamento com materiais como h-BN ou polímeros têm sido adotadas com sucesso, aumentando a durabilidade dos dispositivos e melhorando sua confiabilidade operacional.
Além disso, a absorção de luz solar nas camadas monomoleculares dos materiais 2D é limitada devido à sua espessura reduzida. Embora apresentem boa absorção específica, a espessura fina dos materiais restringe a absorção total de luz solar. Estratégias como a decoração com pontos quânticos ou a criação de camadas múltiplas têm se mostrado eficazes para melhorar a eficiência de absorção, sem comprometer a integridade do material. A eficiência quântica externa (EQE) e a tensão de circuito aberto (Voc) ainda são fatores limitantes no desempenho das células solares baseadas em TMDs, exigindo o desenvolvimento de novas abordagens para aumentar a eficiência global desses dispositivos. [1] [2] [3] [4] [6] [8] [9] [10] [11] [12] [13]
Recentemente, houve progressos importantes para superar os desafios dos materiais 2D em células solares. O uso de contatos de Van der Waals, substituindo a evaporação de metal, ajudou a reduzir defeitos e melhorar as interfaces dos dispositivos, resultando em eficiências de conversão superiores a 5% em dispositivos baseados em WS₂.
A dopagem seletiva também tem sido eficaz na redução de defeitos. A dopagem por plasma, por exemplo, pode modificar as propriedades eletrônicas dos TMDs, otimizando seu desempenho em células solares. Um exemplo notável é a dopagem com SnCl₄, que aumentou a eficiência quântica em dispositivos de PdSe₂. A criação de heteroestruturas complexas tem sido um avanço crucial. A combinação de diferentes materiais 2D, como MoS₂/MoSe₂, melhora as propriedades eletrônicas e ópticas, abrindo novas possibilidades para essas tecnologias. Heteroestruturas 2D-2D, como WSe₂/MoS₂, aumentam a absorção de luz e melhoram o transporte de carga, otimizando a eficiência das células solares. Além disso, o efeito fotovoltaico em massa em materiais como MoTe₂ permite a geração de corrente elétrica sem a necessidade de junções p-n tradicionais.
A integração de dispositivos 2D em substratos flexíveis também tem mostrado avanços promissores. Dispositivos baseados em WSe₂, combinados com substratos flexíveis como polímeros, atingiram potências específicas de até 4,4 W/g, ampliando suas aplicações em tecnologias portáteis e flexíveis.
Além disso, técnicas como a decoração com pontos quânticos de PbS em junções WSe₂/MoS₂ têm melhorado a eficiência quântica externa, aprimorando a absorção de luz solar e o desempenho dos dispositivos. Com esses avanços, as perspectivas futuras para os materiais 2D em células solares são promissoras.
Com o avanço da pesquisa e o aprimoramento das técnicas de engenharia de materiais, as células solares baseadas em materiais 2D têm grande potencial para se tornarem uma tecnologia de ponta na geração de energia renovável. O desenvolvimento de novas estratégias de fabricação e a exploração de novos materiais e heteroestruturas contribuirão para superar as limitações atuais, permitindo a adoção em larga escala dessas tecnologias fotovoltaicas. A combinação de eficiência aprimorada, flexibilidade, custo reduzido e maior estabilidade promete transformar os materiais 2D em uma solução viável e comercialmente competitiva para a próxima geração de células solares. [1] [2] [3] [4] [6] [8] [9] [10] [11] [12] [13]
Referências
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Autor:
Allan Tardiolle, aluno de Iniciação Cientifica. Desenvolve o projeto sob a orientação da Prof Dr Alex Aparecido Ferreira, docente da Universidade Federal do Paraná