MATERIAIS BAROCALÓRICOS: uma nova perspectiva para Refrigeração

Emilly Ramos Freitas da Silva*

No mundo globalizado, as políticas internacionais estão atualmente voltadas para a preocupação crescente com a mudança climática global. A compreensão generalizada de que o planeta Terra é o único lar viável para a humanidade intensifica a pressão para combater o aquecimento global, tornando-se o foco central na Conferente of the Parties 26 (COP 26) das Nações Unidas. 

Uma abordagem empregada para avaliar o impacto ambiental de todo o ciclo de vida dos equipamentos de refrigeração doméstica no aquecimento global é conhecida como Total Equivalent Warming Impact (TEWI). Este método engloba desde a fabricação dos componentes, bem como os gases refrigerantes até seu descarte, incluindo eventos indesejáveis como vazamentos; comuns durante o uso desses equipamentos (1,2). 

Uma análise sobre o efeito dos refrigerantes utilizados destacou que melhorar a eficiência desses equipamentos é uma das melhores formas de reduzir o aquecimento global na refrigeração por compressão a vapor. Todavia, os dispositivos de refrigeração modernos possuem eficiência menor do que 60% (3); e uma grande parcela desta limitação se deve ao fluido refrigerante utilizado, já que, o rendimento e a faixa de temperatura de operação do dispositivo são dependentes das suas propriedades termofísicas (4).

Uma análise sobre o efeito dos refrigerantes utilizados destacou que melhorar a eficiência desses equipamentos é uma das melhores formas de reduzir o aquecimento global na refrigeração por compressão a vapor. Todavia, os dispositivos de refrigeração modernos possuem eficiência menor do que 60% (3); e uma grande parcela desta limitação se deve ao fluido refrigerante utilizado, já que, o rendimento e a faixa de temperatura de operação do dispositivo são dependentes das suas propriedades termofísicas (4).

Nesse contexto, a busca por tecnologias alternativas à refrigeração por compressão de vapor, que sejam ecologicamente sustentáveis e mais eficientes, ganha destaque. 

Os sistemas de refrigeração em estado sólido têm sido objeto de estudo há décadas e estão demonstrando resultados cada vez mais promissores para aplicação na refrigeração. 

Esses sistemas substituem os compressores e os fluidos refrigerantes por materiais (em estado sólido) que respondem termicamente a um estímulo externo, eliminando assim a necessidade de usar gases como CFCs, HCFCs e HFCs, que têm um impacto significativo no aquecimento global (5,6). 

Dentre estas alternativas promissoras, destacam-se as tecnologias i-calóricas. Nestas tecnologias, a fonte externa de campo “i” pode ser magnética, elétrica ou mecânica, classificando o efeito como magnetocalórico (Eh – C), eletrocalórico (Ee – C) ou mecanocalórico (Eσ – C), respectivamente. 

O Eσ – C pode ainda ser subdividido de acordo com os diferentes campos de tensão mecânica aplicados em: efeito elastocalórico (Eσe – C), resultante da aplicação de uma tensão uniaxial, efeito barocalórico (Eσb – C), em que o material é submetido a uma variação de pressão hidrostática (∆p), e efeito torsiocalórico (Eσt – C), decorrente da aplicação de tensão de cisalhamento torcional pura ao material (6,7).

No que concerne aos artigos científicos relacionados ao Eσb – C, os estudos reportam o potencial barocalórico de novos materiais promissores, subdivididos em diferentes classes como: 

  • polímeros (8), 
  • compostos intermetálicos (9), 
  • materiais ferrielétricos e ferroelétricos (10),
  • fluoretos e oxifluoretos (11), 
  • condutores superiônicos (12), 
  • compostos híbridos orgânico – inorgânicos (13), 
  • cristais plásticos (14), 
  • spin– crossovers (15) e 
  • n–alcanos (16). 

Dentre os materiais barocalóricos, destacam-se os polímeros que em seus primeiros estudos sistemáticos foram capazes de evidenciar, algumas das características sugeridas por Lloveras e Tamarit (17) para o sucesso de sua aplicação como refrigerantes em estado sólido, dentre estas: valores gigantes de ∆TS e ∆ST para uma ampla faixa de temperaturas sob aplicação de pressões moderadas, boa reversibilidade, e boa disponibilidade com baixo custo.

Esta afirmação pode ser facilmente observada nos artigos previamente publicados  para elastômeros, como ex. o Poli(dimetilsiloxano) (18). Neste trabalho, para compreender o comportamento do efeito barocalórico em polímeros, realizou-se uma verificação experimental do efeito barocalórico em amostra de TPU. Como resultado foram obtidas curvas de temperatura em função do tempo com partida em uma determinada temperatura inicial (T0) de ensaio. 

Quando a amostra foi submetida a uma variação pressão ∆σ, o TPU apresentou uma resposta térmica que é notada nos dois picos de temperatura mostrados na Figura 1. Estes picos foram associados às fases de aplicação e  alívio da pressão A variação adiabática de temperatura (ΔTS) é obtida ao efetuar – se a diferença entre as temperaturas máximas de cada pico e a temperatura inicial de ensaio,  e podem ser visualizadas como ΔTcomp (0 → σ) e ΔTdescomp (σ → 0).

Figura 1 – Ensaio Barocalórico – curva de T (K) vs t (s) em 86 MPa e 303 K
Figura 2 – Curva de propriedade barocalórica em diferentes ∆σ. Dados de TS vs T .

O efeito barocalórico foi observado a partir das curvas de TS (medida direta) vs. T (diferentes temperaturas iniciais). 

Na Figura 2 são mostradas as curvas obtidas para o TPU, medidas na faixa de temperatura entre 293K e 333 K (passo de 10 K) e variação de pressão de 42 a 218 MPa. A diferença de temperatura máxima alcançada foi de ∆TS = 11,97 K em 333 K para uma ∆ = 218 MPa.

Os valores obtidos para o efeito barocalórico foram expressivos, porém como desenvolver um regenerador em estado sólido capaz de utilizar um polímero como refrigerante? 

Primeiramente, deve ser apresentado o conceito de regenerador. 

Regeneradores são trocadores de calor de armazenamento de energia térmica, pelo qual uma quantidade de fluido, quente ou frio, escoa pela mesma matriz regenerativa, mas em períodos diferentes, caracterizando um processo de transferência de calor intermitente [19-23]. 

O ciclo térmico de um regenerador inicia-se com o período de escoamento quente, que ocorre quando um fluido quente escoa pela matriz. Durante essa etapa, a matriz remove e armazena uma quantidade de calor cedida pelo fluido que, por sua vez, é resfriado e deixa o leito do regenerador a uma temperatura mais baixa. 

O próximo período do ciclo é o escoamento frio, quando um fluido frio passa pela mesma matriz que trocou calor com o escoamento quente no período anterior. Nesta etapa, a matriz cede o calor armazenado na etapa anterior do ciclo ao fluido frio que, por sua vez, é aquecido e deixa o regenerador a uma temperatura mais elevada.

Desse modo, o calor não é transferido continuamente e a energia térmica é alternadamente armazenada e cedida pela matriz [23]. E como seria o ciclo termodinâmico de um Regenerador Barocalórico Ativo (AbR). 

O ciclo termodinâmico de um AbR, é baseado no ciclo de Brayton, apresentado na Figura 3.

Como observado na Figura 3 o ciclo pode ser descrito nas etapas:

  • (1-2) Tensionamento adiabático: o campo de tensão mecânica é aplicado ao regenerador mantido a uma temperatura intermediária (T) e sob condições adiabáticas. Logo, a temperatura do material barocalórico é aumentada devido ao Eσb – C (+∆TS).
  • (2-3) Escoamento frio à campo de tensão constante: o fluido de trabalho é deslocado do trocador de calor frio ao trocador de calor quente, mantendo-se o campo de tensão mecânica aplicado (σ>0). Neste processo, o fluido de trabalho remove o calor do regenerador, que por sua vez retorna a uma temperatura intermediária, e depois rejeita esse calor para o ambiente no trocador de calor quente.
  • (3-4) Alívio de Tensionamento adiabático: o campo de tensão mecânica é removido do regenerador mantido a uma temperatura intermediária (T) e sob condições adiabáticas. Logo, a temperatura do material é reduzida devido ao EbC (-∆TS).
  • (4-1) Escoamento quente a campo de tensão nulo: O fluido de trabalho é bombeado do trocador de calor quente para trocador de calor frio sob a condição de campo de tensão mecânica nulo (σ=0). Neste processo, o regenerador remove o calor do fluido de trabalho. Deste modo, o fluido sai da matriz regenerativa a uma temperatura menor do que a temperatura de um volume ou corpo a ser refrigerado, absorvendo calor dele.
Figura 3 – Funcionamento de um Refrigerador Barocalórico. Adaptado de Faria et al. (24)

O maior desafio para construção de um protótipo de regenerador barocalórico está no fato de que o material polimérico utilizado como refrigerante deve estar confinado em um invólucro.

Neste caso, baseado no que foi previamente mostrado, um conceito de regenerador  de múltiplos tubos com troca térmica realizada por meio de um fluido de trabalho (HTF) foi considerada. A otimização da troca de calor efetuada entre o HTF, o invólucro e o material barocalórico é essencial para o projeto de um conceito de refrigerador inovador, assim a utilização de métodos numéricos se faz necessária. 

O foco deve ser o de se projetar uma matriz regenerativa que garanta altas taxas de transferência de calor entre o sólido e o fluido de trabalho, com mínimas perdas hidrodinâmicas. 

Em uma primeira análise o método dos elementos finitos foi utilizado para o estudo da influência de parâmetros como velocidade de entrada do HTF, espessura da parede do tubo, pressão aplicada sobre o refrigerante  no rendimento de um regenerador com 5 tubos (ou invólucros). Os resultados iniciais para um ciclo de temperatura são mostrados para o material barocalórico (MB) e para os seus revestimentos de acordo com a sua posição no regenerador considerando uma pressão de 130 MPa.

Como esperado, o invólucro possui uma temperatura inferior à do MB disponível para realizar a troca térmica com o HTF. Assim, entende-se que não somente a espessura da parede do invólucro, mas também as suas propriedades térmicas são determinantes para um bom rendimento do equipamento proposto.

Figura 4 – Comportamento no Ciclo de Temperatura (a) MB e (b) Invólucros (ou revestimentos). De acordo com a sua posição no regenerador.

Nestas simulações, o banco de tubos foi constituído de Aço-Niquel 9% com espessura estimada de 1,72 mm para a pressão de 130 MPa. Novos estudos estão sendo contemplados utilizando para a simulação ferramenta computacional do tipo CAE.

 O fluido de trabalho um mistura de 50% de água e 50% de etilenoglicol. Na Figura 5 são ilustradas a malha e uma resposta numérica para o escoamento.

Figura 5 – Simulação em software. (a) malha inicial (b) resposta nos primeiros segundos para a velocidade de escoamento.

Estudos adicionais estão sendo conduzidos a fim de melhorar o escoamento do fluido entre o banco de tubos, bem como, para tornar mais eficiente a troca de calor entre as diferentes regiões do regenerador. O modelo momentaneamente considera apenas a temperatura da parede externa do tubo (após a troca de calor por condução com o MB) e do tempo de escoamento do fluido ao passar na matriz de banco de tubos. Contudo análises multifísicas estão em desenvolvimento.

Referências

[1] N. Passarinho, COP26: Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre mudança climática, p. 1–9, 2021.
[2] S. Papasavva, W.R. Moomaw, Life-Cycle Global Warming Impact of CFCs and CFC substitutes for Refrigeration, J. Ind. Ecol. 1 (1997) 71–91.
[3] CAZORLA, C. Novel mechanocaloric materials for solid-state cooling applications.
Applied Physics Reviews, v. 6, n. 4, p. 041316–16, 26 dez. 2019.
[4] COULOMB, D. Refrigeration: the Challenges associated with Sustainable Development. Interlinked Challenges, Interlinked Solutions: Ozone Protection and Climate Change, v. 12, p. 12–14, 2006.
[5] TAKEUCHI, I.; SANDEMAN, K. Solid-state cooling with caloric materials. Physics Today, v. 68, n. 12, p. 48–54, 1 dez. 2015
[6] IMAMURA, W. et al. I-Caloric effects: a proposal for normalization. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON CALORIC COOLING (THERMAG VIII), 8., 2018, Darmstadt, Germany. Proceedings: Darmstadt, 2018. p. 179–184.
[7] MOYA, X.; KAR-NARAYAN, S.; MATHUR, N. D. Caloric materials near ferroic phase transitions. Nature Materials, v. 13, n. 5, p. 439–450, 22 maio 2014.
[8] COLMAN, F. C. et al. On the mechanocaloric effect of natural graphite/thermoplastic polyurethane composites. Journal of Materials Science, v. 58, n. 27, p. 11029–11043, 6 jul. 2023.
[9] MATSUNAMI, D. et al. Giant barocaloric effect enhanced by the frustration of the
antiferromagnetic phase in Mn3GaN. Nature Materials, v. 14, n. 1, p. 73–78, 26 jan.
2015.
[10] STERN-TAULATS, E. et al. Inverse barocaloric effects in ferroelectric BaTiO3 ceramics. APL Materials, v. 4, n. 9, p. 091102, 19 set. 2016
[11] FLEROV, I. N. et al. Barocaloric effect in ferroelastic fluorides and oxyfluorides.
Ferroelectrics, v. 500, n. 1, p. 153–163, 8 ago. 2016.
[12] SAGOTRA, A. K.; CHU, D.; CAZORLA, C. Room-temperature mechanocaloric effects in lithium-based superionic materials. Nature Communications, v. 9, n. 1, p. 3337, 20 ago. 2018.
[13]BERMÚDEZ-GARCÍA, J. M.; SÁNCHEZ-ANDÚJAR, M.; SEÑARÍS-RODRÍGUEZ, M. A. A New Playground for Organic–Inorganic Hybrids: Barocaloric Materials for Pressure-Induced Solid-State Cooling. The Journal of Physical Chemistry Letters, v. 8, n. 18, p. 4419–4423, 21 set. 2017.
[14] AZNAR, A. et al. Reversible and irreversible colossal barocaloric effects in plastic
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[22] NELLIS, G.; KLEIN, S. Heat Transfer. 1ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. 1011 p.
[23] TREVIZOLI, P.V. Development of thermal regenerators for magnetic cooling applications. PhD Thesis. Federal University of Santa Catarina, Florianópolis-SC, 2015.
[24] FARIA, P. et al. NUMERICAL ANALYSIS OF THE THERMODYNAMIC PERFORMANCE OF AN ACTIVE BAROCALORIC REGENERATOR USING PDMS RUBBER FOR REFRIGERATION APPLICATIONS. In: International Congress of Mechanical Engineering, 26., 2021, Florianopolis, Santa Catarina, Brasil. Proceedings: ABCM, 2021. p. 1–10.

Autora:

Emilly Ramos Freitas da Silva, aluna de Engenharia Mecânica na UEM e bolsista de Iniciação Tecnológica do NAPI EZC. Desenvolve o projeto na área do “Desenvolvimento de materiais e equipamentos para conversão barocalórica de energia”, sob a orientação do Prof. Dr. Flavio Clareth Colman.

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