Muito se fala sobre a necessidade de biotecnologias e avanços científicos que realmente agreguem positivamente a um futuro sustentável, e que sejam acessíveis, tanto na aplicação quanto no custo, já que a humanidade vive uma realidade de emergência climática em escala global. Com um dos principais problemas sendo a extração e queima desenfreada de combustíveis fósseis, que não só proporcionam desmatamento e impactos profundos em ecossistemas inteiros, como também intoxicam a atmosfera terrestre com gases nocivos e que intensificam o efeito estufa. Neste contexto, determinadas áreas e tecnologias que já foram amplamente estudadas, às vezes tornam-se novamente um local de novos avanços e oportunidades. Como é o caso dos pirocloros.
Os Pirocloros são compostos com uma estrutura cristalina única, que tiveram suas estruturas de fases e processos de transformação amplamente estudados nas últimas décadas, porém suas propriedades catalíticas e aplicações como catalisadores pouco foram desbravadas. Além disso, graças às suas propriedades excepcionais, como alta estabilidade térmica, resistência à corrosão e eficiência catalítica, esses materiais possuem várias frentes de exploração, desde a conversão de energia limpa até a catálise ambiental.
Esta revisão busca explorar um pouco sobre as características dos pirocloros (A₂B₂O₇), suas aplicações, e como eles podem desempenhar um papel fundamental na criação de tecnologias mais sustentáveis e inovadoras. Além também, de apresentar um levantamento bibliográfico quanto à existência, síntese e dificuldades vinculadas a determinados exemplos dessa classe de compostos.
Os compostos de interesse possuem sua fórmula geral A₂B₂O₇, sendo A e B metais diversos (geralmente metais de transição e terras raras). Eles representam uma família de fases isoestruturais ao pirocloro mineral. Os pirocloros, como dito anteriormente, são uma classe importante de materiais com uma ampla gama de aplicações tecnológicas, tais como luminescência, condutividade iônica, imobilização de resíduos nucleares, revestimentos térmicos de alta temperatura, controle de gases de escape de automóveis, catálise, condutores elétricos, dentre outras.
Essas propriedades são possíveis devido à estrutura cristalina tridimensional única
dos pirocloros, que combina cátions metálicos (A e B) com ânions oxigênio, formando uma rede extremamente estável. Essa configuração permite que eles possuam uma série de características vantajosas, incluindo a permissão de ajustes na composição e propriedades dos materiais, o que os torna altamente versáteis. Esses ajustes podem influenciar diretamente suas capacidades magnéticas, elétricas e catalíticas, além de otimizar seu desempenho em diferentes reações químicas e processos biotecnológicos.
Os compostos A₂B₂O₇ apresentam grande potencial de aplicação no contexto apresentado pelo NAPI-EZC, com destaque para conversão de energias limpas, catálise de biocombustíveis, entre outros.
Com um pouco mais de detalhe, podemos ver que em se tratando de energias renováveis, essa família de compostos possui propriedades específicas para processos como a catálise de substâncias. Sua capacidade de suportar altas temperaturas e sua estabilidade química ajudam, por exemplo, em métodos como Oxidative coupling of methane (“Acoplamento Oxidativo do Metano”) que consiste em combinar moléculas de metano, na presença de oxigênio para formar compostos mais complexos, como etileno (C₂H₄) ou acetileno (C₂H₂). Em termos simples, o acoplamento oxidativo é uma reação na qual o metano reage com oxigênio para formar compostos mais ricos em carbono, sem a necessidade de etapas complexas, como a reformação ou craqueamento do metano. Nesse cenário, temos Sm₂Sn₂O₇ e La₂Zr₂O₇ como exemplos de pirocloros que possuem considerável eficácia como catalisadores nesse processo. Isso, devido à sua alta estabilidade térmica, presença de vacâncias de oxigênio e características de superfície alcalina, que são essenciais para promover a reação de acoplamento entre o metano e o oxigênio.
Um outro exemplo é em Methane Reforming (“Reformação do Metano”), processo muito importante que converte metano (CH₄) em produtos químicos mais vantajosos, como hidrogênio (H₂) ou gases sintéticos (syngas), que são uma mistura de monóxido de carbono (CO) e hidrogênio. Esse processo é fundamental para a produção de hidrogênio, que tem diversas aplicações em indústrias, como a produção de amônia (fertilizantes), refino de petróleo e como combustível em células de combustível.
Dentre as duas principais formas de “reformação do metano”, tem-se:
● Steam Methane Reforming (SMR): É o processo mais comum, no qual o metano reage com vapor d’água (H₂O) a altas temperaturas (700-1000°C) para produzir hidrogênio e monóxido de carbono.
● Dry Methane Reforming (DMR): Processo no qual o metano reage com dióxido de carbono (CO₂) em vez de vapor d’água, produzindo hidrogênio e monóxido de carbono. Essa reação é importante porque também ajuda a reutilizar o CO₂, um gás de efeito estufa.
Para o processo DMR, um composto A₂B₂O₇ utilizado é o Sm₂Sn₂O₇ (pirocloro de Samário e Estanho), estudado como catalisador devido às suas vacâncias de oxigênio e estabilidade térmica, características essenciais para a ativação do metano e dióxido de carbono durante a reforma. Além disso, La₂Zr₂O₇ também se mostra potencial para aplicação em processos catalíticos, incluindo a reforma de metano, devido às suas propriedades favoráveis. Ambos oferecem boa estabilidade e eficiência nas condições exigidas para a reforma do metano a altas temperaturas.
Pirocloros mostram-se eficazes também em reações de catálise para a remoção de poluentes ambientais, podendo ser usados para a degradação de compostos orgânicos tóxicos e gases poluentes, como dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre. A estrutura aberta (porosa) desses materiais, juntamente com a presença de sítios ativos ajustáveis, permite que eles catalisem eficientemente essas reações sem perder suas propriedades ao longo do tempo. Além disso, tal eficiência abre possibilidades para outro campo de interesse em que compostos A₂B₂O₇ podem ser usados na conversão de biomassa em produtos de maior valor agregado, como biocombustíveis, ou seja, transformar materiais orgânicos em fontes de energia renovável.
Sabe-se que os pirocloros são compostos amplamente conhecidos e muito estudados nas últimas décadas, e que mesmo assim ainda há muito a ser analisado e entendido, principalmente pela grande variedade de configurações atômicas, além do baixo volume de pesquisas em suas propriedades catalíticas. Visando todas essas possibilidades, um levantamento foi feito com a intenção de analisar os processos de síntese de amostras, com algumas terras raras e metais de transição diferentes ocupando as posições dos cátions A e B, respectivamente.
Devido ao elevado número de elementos, a revisão bibliográfica reservou-se a um número limitado de elementos candidatos. Assim, quatro lantanídeos foram escolhidos como cátion A: Lantânio (La), Cério (Ce), Praseodímio (Pr) e Neodímio (Nd) e 29 metais de transição escolhidos como cátion B: do Escândio (Sc) ao Mercúrio (Hg). Todas as combinações foram buscadas na literatura, sendo 116 possíveis compostos, encontrando apenas 23 combinações que possuíam algum tipo de referência bibliográfica existente.
Dentre as combinações existentes, Titânio (Ti) e Zircônio (Zr) formam composto com os quatro A’s escolhidos; Molibdênio (Mo), Rutênio (Ru), Háfnio (Hf), Irídio (Ir) e Platina (Pt) formam compostos com apenas dois cátions A; Vanádio (V), Manganês (Mn), Ítrio (Y) e Tecnécio (Tc) formam composto com apenas um cátion A; e, para os elementos Escândio (Sc), Cromo (Cr), Ferro (Fe), Cobalto (Co), Níquel (Ni), Cobre (Cu), Zinco (Zn), Nióbio (Nb), Ródio (Rh), Paládio (Pd), Prata (Ag), Cádmio (Cd), Tântalo (Ta), Tungstênio (W), Rênio (Re), Ósmio (Os), Ouro (Au) e Mercúrio (Hg), nenhum composto é formado.
O foco esteve voltado em analisar os métodos usados para a síntese das amostras, além de considerar qual finalidade teria tal amostra para os dados artigos, para que, em um momento oportuno, fosse escolhido um A₂B₂O₇ candidato a investir recursos humanos e materiais na síntese e estudo do composto.
Porém, durante a revisão, destacou-se como um fator de dificuldade, que para inúmeros casos, a síntese dependia de temperaturas de calcinação que chegassem a valores próximos ou acima dos 1.000 °C, com casos nos quais os 1.500 °C eram atingidos. Situação que exige fornos mais potentes e consequentemente mais caros e com maior gasto energético na produção, o que vai na contramão da ideia de biotecnologias. Um outro ponto de dificuldade que a análise mostrou, é o alto custo de mercado na compra de determinados reagentes necessários para a síntese das amostras, muitos dos quais são importados.
Outro detalhe, mas em caráter de curiosidade, foram as diversas técnicas de síntese utilizadas, tais como: Electrospinning technique, Molten salt method, Solid-state reaction, Sol-gel method, Shock synthesis, entre outros. Ainda assim, mesmo com diversos métodos e compostos candidatos, para a maioria dos casos poucos artigos foram encontrados. Com algumas exceções, por exemplo, para o La₂Zr₂O₇, que possui uma vasta linha de pesquisa na literatura.
Em vista do que foi apresentado, cabe algumas conclusões. Como citado anteriormente, os A₂B₂O₇ possuem propriedades catalíticas bem destacadas e pouco estudadas, o que torna-se um atrativo para pesquisas futuras. A estrutura tridimensional desses materiais cria uma rede de sítios ativos que podem ser ajustados de acordo com as necessidades de cada reação. Isso possibilita o uso dos pirocloros em uma ampla gama de reações. A robustez dessas estruturas também os permite funcionar eficientemente em condições extremas, como altas temperaturas, sem perder a eficiência catalítica e sem se degradar no processo, se mostrando fatores fundamentais.
Contudo, apesar de ser uma classe de compostos promissores, possuem por hora uma dificuldade um pouco maior de serem produzidos por laboratórios menos equipados com máquinas específicas e orçamento mais limitado, porém não podem ser descartados planos futuros. Pois, independente de apresentarem desafios quanto aos processos de síntese das amostras, as dificuldades quanto a custo elevado de reagentes, necessidade de equipamentos mais sofisticados e outras mais podem ser superadas alinhando cooperação entre os centros de pesquisas e laboratórios (universidades, IF’s, iniciativa privada, …), algo que o NAPI-EZC já é capaz de proporcionar. E tendo como resultado, grandes recompensas em termos de contribuição científica, avanço tecnológico e um futuro mais sustentável, sem que sejam necessárias descobertas milagrosas para tais finalidades.
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Autor:
Walter Lucio Peccinini Neto, aluno de Bacharelado em Física na UFPR e bolsista (Fundação Araucária) de Iniciação Tecnológica do NAPI EZC. Sob a orientação do Prof. Dr. Fabiano Yokaichiya, docente do DFIS-UFPR.