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Semicondutores e sua Aplicação em Dispositivos Fotovoltaicos: A Ciência por Trás da Energia Solar

Rui Andress Mendes Pereira e Luiz Gustavo Davanse

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a busca por fontes de energia renováveis tem se intensificado, e entre as opções mais promissoras está a energia solar. No coração dessa revolução energética estão os semicondutores. Eles são os materiais que tornam possível a conversão da luz solar em eletricidade de forma eficiente, especialmente por meio das células solares fotovoltaicas.

SEMICONDUTORES

Os semicondutores revolucionaram a tecnologia no século XX e continuam sendo a base da inovação no século XXI. Presentes em praticamente todos os dispositivos eletrônicos do dia a dia, eles desempenham um papel essencial em smartphones, computadores e em sistemas de energia solar. Sua principal característica é a condutividade elétrica intermediária entre a dos condutores, como o cobre, e a dos isolantes, como a madeira ou o vidro. Essa propriedade singular decorre de sua estrutura atômica e da forma como seus elétrons interagem com fontes externas de energia.

O silício (Si) é o semicondutor mais conhecido e amplamente utilizado, mas outros materiais, como o germânio (Ge), o arseneto de gálio (GaAs) e o telureto de cádmio (CdTe), também desempenham papéis importantes em aplicações específicas.

COMO FUNCIONA UM SEMICONDUTOR

Para compreender como os semicondutores funcionam, é essencial explorar o conceito de bandas de energia. Em um material sólido, os elétrons ocupam níveis de energia organizados em bandas. A banda de valência refere-se ao conjunto de níveis de energia formado pelos últimos orbitais atômicos ocupados, nos quais os elétrons estão mais ligados aos átomos, enquanto a banda de condução é o conjunto de níveis mais energéticos, formado pelos orbitais livres, com os elétrons podendo ocupá-los e ter maior liberdade para deslocar-se e conduzir corrente elétrica. A diferença de energia entre essas duas bandas é chamada de band gap (“gap de energia” ou “banda proibida”).

Diagrama do band gap e das camadas de valência e de condução

Em semicondutores puros, o band gap tem valor intermediário em comparação aos isolantes, que apresentam um gap grande, e aos condutores, que não possuem este gap de energia.

Comparação entre band gap de semicondutores, isolantes e sobreposição de camadas em condutores

Essa característica é essencial para aplicações fotovoltaicas pelos seguintes motivos:

  1. Absorção da luz e geração de elétrons livres: Quando a luz solar atinge um semicondutor, os fótons com energia igual ou maior que o band gap fornecem energia suficiente para que os elétrons “saltem” da banda de valência para a banda de condução, criando pares elétron-lacuna. Isso significa que a luz pode ser convertida diretamente em eletricidade.
  2. Eficiência na conversão de energia: Quando não há band gap, como ocorre nos metais, os elétrons já ocupam naturalmente estados na banda de condução e, por isso, a luz incidente tem pouco efeito sobre eles. Já se o band gap muito grande, como ocorre nos isolantes, a maioria dos fótons da luz solar não teria energia suficiente para excitar os elétrons. Um band gap moderado permite que a luz visível seja bem aproveitada, maximizando a conversão de energia.
  3. Controle da corrente elétrica: Nos semicondutores, é possível manipular a movimentação dos elétrons com campos elétricos e dopagem, criando junções (como a junção p-n das células solares) que direcionam os elétrons de forma eficiente, transformando a energia da luz em corrente elétrica utilizável.

A DOPAGEM E COMO ELA MODIFICA AS PROPRIEDADES DOS SEMICONDUTORES

Uma das características mais fascinantes dos semicondutores é a capacidade de controlar sua condutividade por meio da dopagem. Este processo envolve a introdução de impurezas no material semicondutor para alterar suas propriedades elétricas. Existem dois tipos principais de dopagem:

  1. Dopagem tipo n: Impurezas como o fósforo, com cinco elétrons de valência, são adicionadas ao silício. O quinto elétron não participa de ligações e se torna um elétron livre, aumentando a condutividade do material. Esses materiais são chamados de tipo n porque os elétrons são os portadores de carga majoritários.
  2. Dopagem tipo p: Impurezas como o boro, com três elétrons de valência, são adicionadas. A falta de um elétron em cada um destes átomos de boro, cria lacunas que também contribuem para a condutividade. Esses materiais são chamados de tipo p porque as lacunas são as portadoras de carga majoritários.

A junção entre essas duas regiões (p-n) é crucial no funcionamento das células solares, pois é nesse ponto que ocorre a separação dos pares de elétrons e lacunas gerados pela luz, uma das chaves para gerar eletricidade.

Demonstração da dopagem em semicondutores por meio do silício

A CONVERSÃO DA LUZ EM ENERGIA ELÉTRICA E O EFEITO FOTOVOLTAICO

A conversão de luz solar em eletricidade é feita por meio do efeito fotovoltaico, que ocorre quando a luz incide sobre um material semicondutor, excita os elétrons e cria pares de elétrons e lacunas. Quando os semicondutores são iluminados, os fótons (partículas de luz) transferem sua energia para os elétrons na banda de valência. Se essa energia for maior ou igual ao gap de energia do material, esses elétrons saltarão para a banda de condução, criando assim um par de portadores de carga: um elétron, que pode se mover na banda de condução, e uma lacuna (um nível vazio na banda de valência), que age como uma carga positiva.

Esse processo, no entanto, não é suficiente para gerar eletricidade de forma eficaz, por conta do efeito de recombinação: quando um elétron excitado retorna à banda de valência, ele se recombina com uma lacuna, liberando energia no processo. Essa energia pode ser emitida de diferentes maneiras, dependendo do material e das condições envolvidas. A recombinação pode liberar energia na forma de calor, o que geralmente é indesejado, pois representa uma perda de eficiência. A recombinação não-radiante é particularmente problemático em células solares, pois a energia que poderia ser convertida em eletricidade acaba sendo dissipada termicamente. Portanto, é necessário um campo elétrico interno para separar esses portadores de carga e impedir que eles se recombinem antes de serem coletados (esse movimento de portadores de carga em resposta a um campo elétrico é chamado de drift). É aqui que a junção p-n entra em ação: ao criar um campo elétrico entre as regiões dopadas tipo p e tipo n, a junção p-n separa os elétrons das lacunas, direcionando-os para os eletrodos, de onde a corrente elétrica pode ser coletada.

PROPRIEDADES DOS SEMICONDUTORES

As propriedades dos semicondutores determinam diretamente a eficiência da conversão fotovoltaica. Vamos analisar as propriedades mais relevantes:

  1. Largura da Banda Proibida (Gap): O valor do gap é crucial para determinar a eficiência de um material fotovoltaico. Se o gap for muito grande, o material não será capaz de absorver fótons com energia menor; se for muito pequeno, a energia extra será desperdiçada na forma de calor.
    O espectro solar cobre uma ampla faixa de energias, desde o infravermelho (baixa energia), até o ultravioleta (alta energia). Para maximizar a eficiência, o gap do material deve permitir aproveitar a maior parte deste espectro. Semicondutores com um gap entre 1,0 eV e 1,8 ev são considerados ideais para aplicações fotovoltaicas, pois eles se ajustam bem ao espectro de radiação solar.
  2. Mobilidade dos Portadores de Carga: A mobilidade dos portadores de carga (elétrons e lacunas) é uma medida da facilidade com que esses portadores se movem quando um campo elétrico é aplicado. Semicondutores com alta mobilidade de carga, como o silício, permitem que os elétrons e lacunas se movam rapidamente, aumentando a eficiência da célula solar, já que os portadores têm mais chances de serem coletados antes de se recombinarem.
  3. Absorção da Luz: A absorção da luz é outra propriedade importante. O material semicondutor deve ser capaz de absorver uma quantidade significativa de luz para gerar muitos pares de elétrons e lacunas. O silício, por exemplo, tem um coeficiente de absorção relativamente alto na faixa visível do espectro solar, o que o torna um bom candidato para células solares.
  4. Eficiência na Separação de Carga: Quando a luz incide sobre a célula solar, ela cria pares de elétrons e lacunas. O campo elétrico na junção p-n é responsável por separá-los e evitar que eles se recombinem antes de serem coletados. Quanto mais eficiente for a separação desses portadores de carga, maior será a eficiência da célula solar.

A seguir, é apresentada uma tabela comparativa destas propriedades para os principais semicondutores presentes na indústria atual:

CÉLULAS SOLARES 

Uma célula fotovoltaica é composta por várias camadas, cada uma com uma função essencial para o seu funcionamento:

1 .Camada Semicondutora (Junção p-n):

  • a. A região central da célula é formada por uma junção de dois tipos de um material semicondutor:
    • i. Tipo p: dopado com elementos como boro, possui deficiência de elétrons (lacunas).
    • ii. Tipo n: dopado com elementos como fósforo, tem elétrons extras
  • b. A interface entre essas duas camadas cria um campo elétrico interno, essencial para separar e direcionar os elétrons gerados pela luz solar.

2. Camadas Protetoras e Antirreflexivas:

  • a. Para evitar perdas, uma camada antirreflexiva é aplicada sobre a célula, reduzindo a quantidade de luz refletida e aumentando a absorção.
  • b. Além disso, há camadas protetoras, geralmente de vidro, para proteger a célula contra impactos e intempéries.

3. Contatos Elétricos:

  • a. Fios metálicos finos na parte superior e uma camada condutora na parte inferior captam os elétrons e permitem que a corrente elétrica flua para um circuito externo.
Principais componentes de uma célula solar baseada numa célula de silício

TIPOS DE CÉLULAS SOLARES 

  • Células de Silício Monocristalino
    Estas são as células solares mais eficientes, compostas por silício com uma estrutura cristalina uniforme. Isso permite que os elétrons se movam livremente, resultando em uma alta eficiência de conversão. 
  • Células de Silício Policristalino
    Embora menos eficientes do que as monocristalinas, as células policristalinas são mais baratas de produzir, tornando-as uma opção popular para a produção em larga escala.
  • Células de Filme Fino
    Essas células usam materiais semicondutores como o telureto de cádmio (CdTe) ou cobre-índio-gálio-selênio (CIGS). Elas podem ser feitas em filmes muito finos, o que as torna mais flexíveis e leves, mas sua eficiência é geralmente inferior à das células de silício.
  • Células de Perovskita
    As células solares de perovskita são uma das inovações mais recentes no campo das células solares. Elas apresentam altos níveis de eficiência e podem ser fabricadas de forma barata, tornando-se um candidato promissor para o futuro das tecnologias fotovoltaicas.

SUSTENTABILIDADE, EFICIÊNCIA E INOVAÇÃO EM CÉLULAS SOLARES

A aplicação de materiais semicondutores em células solares tem impulsionado a geração de energia limpa, mas também traz desafios importantes em termos de eficiência e sustentabilidade. Apesar das células solares de silício dominarem o mercado com eficiências próximas a 25%, essa taxa ainda representa apenas uma fração da energia solar total convertida em eletricidade. Para superar essa limitação, novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas, como as células solares de múltiplas junções e as do tipo tandem, que combinam diferentes semicondutores para captar uma faixa mais ampla do espectro solar. Entre os avanços mais promissores estão as células de perovskita, que já atingem eficiências superiores a 25% em laboratório, além de permitirem processos de fabricação potencialmente mais baratos.

Entretanto, a durabilidade e o impacto ambiental desses dispositivos ainda são questões centrais. A exposição contínua à umidade, radiação UV e variações térmicas causa a degradação dos materiais, reduzindo a vida útil dos painéis solares para cerca de 25 a 30 anos. Esse desgaste resulta em perdasde desempenho por reflexão da luz, recombinação não-radiante de elétrons e danos físicos, além de contribuir para o crescimento do volume de resíduos eletrônicos.

Outro ponto crítico é o uso de elementos tóxicos na fabricação de alguns semicondutores. Materiais como chumbo (Pb), presente em soldas, e cádmio (Cd), usado em células de telureto de cádmio (CdTe), representam riscos significativos à saúde e ao meio ambiente, especialmente se descartados de forma inadequada. Mesmo o silício, que não é tóxico, exige grande consumo energético em sua purificação. Por isso, o descarte de células solares deve ser feito de forma controlada, com recolhimento por fabricantes ou empresas especializadas.

Para mitigar esses impactos, soluções de reciclagem têm sido desenvolvidas. Técnicas como a separação de vidro, alumínio e metais preciosos (como prata e cobre), bem como a purificação do silício de grau solar, permitem a recuperação e reutilização de componentes valiosos. Processos térmicos e químicos, como pirólise e lixiviação ácida, também contribuem para esse reaproveitamento. Paralelamente, novas abordagens sustentáveis vêm sendo estudadas, incluindo semicondutores biodegradáveis e células solares orgânicas ou de perovskita, que apresentam menor impacto ambiental e maior facilidade de reciclagem, embora ainda enfrentem limitações de estabilidade.

O futuro da energia solar, portanto, passa não apenas pelo aumento da eficiência, mas também pelo desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis e pela criação de cadeias produtivas e de descarte que minimizem os danos ambientais.

CONCLUSÃO: O FUTURO DA ENERGIA SOLAR E O PAPEL DOS SEMICONDUTORES

Os semicondutores são materiais fascinantes cujas propriedades únicas os tornam ideais para uma ampla gama de aplicações, incluindo a conversão de energia solar. Sua capacidade de absorver luz, gerar portadores de carga e controlar a condutividade elétrica por meio da dopagem faz deles a base das células solares modernas. No entanto, desafios como a termalização e as perdas por recombinação ainda precisam ser superados para maximizar a eficiência desses dispositivos.

Com o contínuo avanço da ciência dos materiais e da engenharia, é provável que os semicondutores continuem a desempenhar um papel central na revolução da energia limpa, ajudando a humanidade a enfrentar os desafios energéticos do século XXI. A busca por materiais mais eficientes, como as perovskitas e os semicondutores orgânicos, promete abrir novas fronteiras na tecnologia fotovoltaica, tornando a energia solar cada vez mais acessível e sustentável.

A energia solar não é apenas uma alternativa viável aos combustíveis fósseis; ela é uma janela para um futuro mais limpo e sustentável. O futuro da energia fotovoltaica e, em geral, da energia renovável, está intimamente ligado aos avanços na física dos semicondutores, e a busca por materiais cada vez mais eficientes continua a impulsionar a revolução energética em curso.

REFERÊNCIAS

GRAY, Jeffery L. Capítulo 3. In: —. The physics of the solar cell. 1. ed. Boca Raton: CRC Press, 2020.
PARANTHAMAN, M. Parans; WONG-NG, Winnie; BHATTACHARYA, Raghu N. Capítulo 3. In: —. Semiconductor materials for solar photovoltaic cells. Cham: Springer, 2016.
G2V Optics. Theory of solar cells. Disponível em: https://g2voptics.com/photovoltaics-solar-cells/theory-of-solar-cells/. Acesso em: 8 jul. 2025.
OSSILA. Solar cells: theory. Disponível em: https://www.ossila.com/pages/solar-cells-theory. Acesso em: 8 jul. 2025. 

Referências Visuais
INDUCTIVELOAD. A comparison of the band gaps of metals, insulators and semiconductors. 2001. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Band_gap_comparison.svg. Acesso em: 25 jul. 2025. Licença: Creative Commons Attribution-Share Alike 2.5.
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VECTORVOYAGER. Diagramma che dimostra drogaggio del silicio puro [Silicon doping – Type P and N]. 2024. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Silicon_doping_-_Type_P_and_N_-_it.

Autores:

Rui Andress Mendes Pereira, realizada pesquisa sob orientação do prof. dr Luiz Gustavo Davanse

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