Pesquisadoras do NAPI EZC, integrantes do projeto Mulheres que Somam realizaram uma roda de conversa com a participação da profª drª Roseli Machado com o tema “Mulheres na Ciência: Reflexões sobre a representatividade e barreiras de acesso”. Nesse evento, Machado respondeu algumas perguntas sobre a atuação das mulheres na ciência.
Roseli Machado possui graduação em Administração pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Administração pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Hospitalar e em Gestão Pública.
Obs: As respostas apresentadas neste documento foram transcritas a partir de gravações de áudio para facilitar o registro e consulta.
Roseli: A falta de representatividade feminina no campo científico afeta, ao meu ver, negativamente as pesquisas e os avanços de várias formas. Em primeiro lugar, eu acredito que a gente, a partir do momento em que tem essa falta da representatividade, desperdiça talento. Nós sabemos que nós, como mulheres, avançamos muito no ensino superior, somos maioria no ensino superior, de uma maneira geral. Somos, nas universidades, praticamente metade do corpo docente. Aqui no estado do Paraná, inclusive, temos indicadores de titulação já superiores aos homens. Então, não ter uma representatividade devida das mulheres, uma proporção devida das mulheres no campo científico, em primeiro lugar desperdiça talento, um talento precioso aí formado pelo ensino superior no nosso país, em especial no Paraná.
Em segundo lugar, eu acredito que a falta de representatividade nesse campo também acaba possibilitando a existência de mais quantitativamente, de mais viés em pesquisa. Por que isso? Porque a partir do momento que eu tenho somente uma perspectiva de um grupo, ler esse, a masculina ou o que as pesquisas carecem de uma perspectiva feminina, elas podem acabar apresentando uma série de vieses, muitas vezes até inconsciente no desenho das propostas. Prova disso, por exemplo, são todos os avanços no campo da saúde mental, da terapêutica, que vem avançando muito , especialmente a partir do momento em que se insere aí um recorte de gênero. Então, negligenciar as questões de gênero e ter falta de representatividade feminina, pode acarretar esse viés.
Importante também os estudos de gênero. Eles representam em um campo realmente muito importante, que historicamente foi negligenciado por uma questão de viés. A partir do momento que grupos dominantes e que a perspectiva masculina não enxerga essas temáticas como importantes, elas não são pesquisadas. Então a gente tem um viés importante e a limitação de perspectiva, porque a partir do momento em que eu trabalho com equipes de pesquisa diversas (e aí, claro, eu não estou falando somente da diversidade de gênero, mas também dela), a ausência dessa perspectiva das mulheres acaba limitando muito até a criatividade e a possibilidade de olharmos problemas de pesquisa a partir de múltiplos lugares. A diversidade é absolutamente salutar no campo da pesquisa. Não somente a diversidade de gênero, mas a diversidade de formações, de talentos, de experiências, de mundo. Todas essas questões são absolutamente bem vindas, como quando estamos falando de ciência e inovação.
Roseli: O acesso e, de certa forma, a inclusão das mulheres no meio científico, podem ser fomentados por uma série de políticas, de iniciativas, que conjuntamente, dependendo do contexto, podem se mostrar bastante eficazes. Em primeiro lugar, na minha opinião, pela minha vivência, fundamental é a garantia de um ambiente de trabalho que seja inclusivo. Então, se nós considerarmos que as universidades são, de certa forma, o principal campo, locos de desenvolvimento do trabalho científico, essa é a realidade do Brasil, essa é a realidade do Paraná também, a garantia de um ambiente de trabalho, de atuação, de pesquisa, assim, com tolerância zero à discriminação e assédio.
Então, esse suporte institucional é fundamental. Paralelamente a isso, há uma série de iniciativas bastante materiais que auxiliam, e muito, num processo de inclusão das mulheres. Então, a concessão de bolsas de estudo e bolsas de pesquisa voltadas especificamente para mulheres, ou para programas direcionados a projetos liderados por mulheres, que incentivem a participação feminina, é o primeiro deles, nesse sentido mais material. A gente conhece uma série de iniciativas, como o L’Oreal para Mulheres da Ciência, que tem bolsas, incentivos financeiros, para que as mulheres, de certa forma, liderem e tenham condições materiais de conduzir suas pesquisas.
A segunda questão, também, diz respeito à promoção, dentro dos ambientes universitários, de uma chance maior de acesso, por meio da compreensão das diferenças que as mulheres têm em relação aos homens. Por exemplo, tudo que é pautado no ambiente universitário, em termos de acesso a recursos para pesquisa, passa muitas vezes, pela produtividade. Então, a métrica da publicação, a métrica da produtividade científica, acaba sendo a principal métrica que vai determinar a distribuição de recursos. A partir do momento que editais de chamamento para bolsas, recursos de bancada, que é o que viabiliza uma pesquisa, uma pesquisa só se desenvolve com condições materiais, que esses editais considerem as especificidades femininas, e contemplem as mulheres na sua diferença, podem ajudar muito. Exemplo disso é quando eu tenho um edital que considera o período da gestação de uma criança de forma diferenciada. Então, que uma mãe possa pontuar este período de gestação de forma diferente num edital de concorrência, porque senão fica absolutamente injusto que uma mulher, em período de licença maternidade, em que ela legalmente está amparada, em que ela tem todo um cuidado com um bebê recém-nascido, para ela seja aplicada a mesma régua que para outras pessoas que não passaram por essa experiência. Então, considerar as particularidades femininas, em especial a maternidade, nos editais de financiamento, de acesso a recursos para pesquisa, é outra questão absolutamente importante, garantindo assim que as mulheres não tenham uma desvantagem em relação a outros cientistas ali.
Outra questão também, que são iniciativas que estão nascendo e são iniciativas importantes, e a gente vê principalmente nas ciências exatas, é todo um processo de incentivo por meio de projetos extensionistas, que as universidades muitas vezes desenvolvem junto a crianças, meninas e adolescentes, para que elas passem a se interessar pelas ciências, pela tecnologia, pela matemática, pelas engenharias, de maneira geral, e entender que sim, as áreas extensas são lugar para as meninas. E que tudo é uma questão de acesso.
Então, só para que a gente possa pontuar algumas questões.
Roseli: Não somente a mentoria, mas a construção e a participação das mulheres cientistas em redes de apoio é fundamental, na minha opinião. É fundamental, é crucial para o sucesso. Primeiro, por conta do exemplo, pois ter conosco mulheres que alcançaram sucesso, alcançaram algumas posições no meio científico como modelos de inspiração é absolutamente encorajador, motivador. Para além disso, nós temos outras vantagens, a meu ver, que podem ser obtidas num processo de mentoria. Em primeiro lugar, a questão da construção de uma rede material de apoio, do compartilhamento de estruturas, do compartilhamento de experiências, de redes científicas entre mulheres.
O segundo ponto, um suporte também emocional. Você saber que conta com uma mentoria, que conta com o apoio de uma rede de outras mulheres que passam, ou passaram, ou já trilharam algum caminho de dificuldade, também acaba servindo de suporte para outras mulheres, fazendo com que elas se sintam mais incluídas. Isso diminui muito essa sensação de isolamento, que muitas vezes pode surgir na trajetória de uma mulher cientista, principalmente quando estamos falando de mulheres em começo de carreira.
Então, ter o exemplo de uma profissional já com uma bagagem maior, que forneça, de certa forma, esse suporte, essa inspiração, que compartilhe recursos, é algo bastante importante e bem-vindo!
Roseli: Eu daria alguns conselhos, algumas dicas para as mulheres que pretendem ingressar ou seguir aí na área científica. Em primeiro lugar, construa uma rede de apoio, participe de uma rede de apoio, se engaje em construir, em buscar parcerias. Isso é muito importante.
O meio científico tem uma característica bastante interessante em que dificilmente as coisas se dividem, na maioria das vezes as coisas se somam, as colaborações na atividade científica acabam sempre rendendo bons frutos. E saber que você não está sozinha e que você participa de uma rede de outras mulheres é algo que acaba nos confortando, nos apoiando em momentos de dificuldades técnicas, científicas e também em momentos em que nós precisamos realmente de um suporte emocional. Esse é o primeiro conselho que eu daria.
O segundo conselho, dica que eu daria é seja proativa, se engaje na tua atividade, se é essa atividade que você buscou e almejou, porque a ciência no Brasil, no estado do Paraná também, mas em especial no Brasil como um todo, a gente tem que correr atrás, a gente tem que se engajar, ir atrás de bolsa, de financiamento, estudar, então assim, as coisas muitas vezes não caem no nosso colo, não caem para ninguém, muito menos para as mulheres, então a gente tem que ser proativa e realmente arregaçar as mangas e sair em busca dessas oportunidades, principalmente dessas fontes de recurso.
Terceiro ponto que eu daria também de dica para as mulheres: é importante nós termos consciência das questões de gênero que atravessam o mundo do trabalho e não é diferente com o mundo científico. Então, sabermos dos nossos direitos, dos nossos deveres, mas especialmente dos nossos direitos, em relação inclusive às proteções legais que temos contra assédio, contra discriminação no ambiente de trabalho. Foi-se o tempo em que as mulheres aguentavam caladas, muitas vezes práticas discriminatórias, piadinhas de mau gosto, violência que muitas vezes passa pela esfera do discurso, sutil, velada. Nós estamos, em especial no mundo universitário, já mais conscientes dos nossos direitos, mais conscientes inclusive de práticas que são consideradas criminosas. Então, é importante que saibamos, que nos informemos a respeito também dos nossos direitos enquanto mulheres.